Carta aos futuros pais (e a quem não quer ter filhos)
Coloquem o "cinto" e preparem-se para algo completamente diferente. Vão sofrer e divertir-se como nunca.
— Que barriga grande! Está grávida de quanto tempo?
— 34 semanas. Está quase a nascer.
(meses mais tarde)
— Ai, que bebé lindo! Que idade tem?
— Treze meses.
(semanas depois)
— Então, como está o menino?
— Vai andando. Tem muitas cólicas e faz uns cocós verdes. Mas já gatinha e diz tuato [gato].
Por que raio é que as grávidas (e os “pais-grávidos”) falam em semanas? E por que razão é que contam a idade dos bebés em meses? E que mau gosto falar das cores de cocós, mesmo que seja em conversas com amigos ou baixinho na esplanada. E que mania é esta de estarem sempre a falar dos filhos, a dizer que já anda ou a contar pela 35.ª vez a frase gira que o pequenote disse?
Eu — pecador me confesso — fazia estas perguntas antes de ser pai, olhando para aqueles “extraterrestres” que contam a gravidez em semanas ou dizem a idade dos filhos em meses. Mas depois entrei nesse mundo magnífico e assustador e comecei a ver a minha vida guiada por ecografias às 12 e 24 semanas de gravidez, consultas médicas de mês a mês e vacinas aos seis, nove, 12, 15, 18 meses. Afinal não são loucos; têm é um calendário diferente dos outros.
Não ter filhos é, obviamente, uma opção tão legítima como ter — e espero ansiosamente pela altura em que a sociedade consiga abolir aquela pergunta muitas vezes feita com espanto “Mas por que não queres ter filhos?” “Porque não quero”, dirão muitos (e com todo o direito). Eu preferi ter e agora aqui estou só para vos dizer algumas coisas que gostava que me tivessem dito antes de ser pai. Não que isso mudasse a minha decisão, mas teria ajudado a que o choque fosse um pouco mais suave.
É claro que cada um tem as suas circunstâncias (a rede familiar, por exemplo, pode fazer muita diferença), a sua personalidade e há bebés mais difíceis do que outros. A Susana Almeida Ribeiro escreveu há tempos no P3 uma hilariante crónica sobre a diferença entre as pessoas com filhos e sem filhos. Escrevia ela que “as pessoas sem filhos acordam com o despertador” e “as pessoas com filhos gostariam de acordar com o despertador”. É apenas uma das muitas boas frases escritas nessa crónica que também deu para perceber — nas caixas dos comentários — como a maternidade/paternidade pode afectar o sentido de humor de algumas pessoas, nomeadamente a capacidade para a ironia.
Não é mentira nenhuma dizer-vos que vão perder o controlo de uma parte da vossa vida. Durante uma certa fase da vossa vida, sair à noite é ir pôr o lixo à rua. Ou ir à farmácia implorar ao farmacêutico por uma receita milagrosa para acabar com as cólicas que nos estão a deixar perto da loucura.
Vão discutir menos vezes política e futebol e mais se é melhor usar chupeta ou chuchar no dedo. Vão descobrir que a Linha de Saúde 24 é a melhor amiga que se pode ter às quatro da manhã. E estarão prontos a escrever uma tese sobre a eficácia da tortura de sono ou sobre os limites da paciência humana para lidar com choros ou pratos de comida voadores.
Quer isto dizer que ter filhos é horrível? Sou capaz de ter respondido que sim em algumas noites (era o sono), mas a verdade é que não. Não é horrível. É fantástico e assustador ao mesmo tempo. A dose de sofrimento é largamente compensada por momentos tão lamechas quanto verdadeiros. Há pequenos gestos que nos dão mais energia do que muitas noites de sono: aquele sorrisinho maroto, as pequenas conquistas deles (os primeiros passos, as palavras, o salto aventureiro no escorrega), o abraço apertado quando regressam para os nossos braços depois da escola ou até aquela resposta espontânea que nos deixa entre o ralhete e a gargalhada.
No dia em que fui pai, a minha vida mudou radicalmente. Deu uma volta de 180º, e outra de 360.º e mais outra de 360.º e sei lá o que mais. Atarantado, fui parar a um lugar diferente. O lugar de que tem a missão mais importante da vida: criar aquele bebé, educá-lo, fazê-lo feliz. E nem dois minutos depois de ele nascer percebi finalmente por que razão as mães nunca aceitam a resposta dos filhos: “mãe, não te preocupes”. É impossível. Nem mesmo para o meu coração de optimista, que fica mais apertadinho com aquelas noites na incubadora, a febre que não baixa ou a bronquiolite que não passa.
Por isso, para os que não querem ter filhos, só vos digo: “Nem imaginam do que se livram, nem sabem o que perdem”. E aos que querem ter também vos digo: “Apertem os cintos. Vão sofrer e irritar-se como nunca, mas vão rir e amar como nunca pensaram ser possível”. E, acima de tudo, aproveitem, porque eles crescem a uma velocidade supersónica...