Os portugueses que estão a agitar East London
Restaurantes, lojas, cafés, mercearias – na parte Este de Londres nasceram vários projectos ligados aos produtos e à cultura contemporânea portuguesa. A Fugas foi conhecer alguns deles.
Ta Ta, um chinês com toques portugueses
Ana Gonçalves é portuguesa, Zijun Meng é chinês, ambos trabalharam com Nuno Mendes durante vários anos, desde o Loft até ao Chiltern Firehouse, e agora têm um projecto juntos: chamaram-lhe Ta Ta.
Quando decidiram que queriam ter um restaurante próprio e tomaram a decisão de sair do Firehouse, havia no horizonte um investidor e um local. Mas, subitamente, isso falhou e eles avançaram para a opção da street food: uma banca no Broadway Market, em East London com congee (tipo de canja asiática), galinha com piripiri e uma “ricewich”, ou seja, uma sanduíche de arroz.
“Sempre falámos na ideia de fazer alguma coisa com arroz porque eu tenho o background do arroz português e o Meng do chinês”, conta, num português cheio de expressões em inglês, Ana que desistiu de ser designer gráfica para cozinhar.
Foi através do Nuno Mendes que lhes chegou a notícia de que uma cafetaria, a Curio Cabal, queria passar a ter refeições mais a sério e assim nasceu a parceria Curio+TA TA. Ana diz que toda a cozinha é muito mais asiática do que portuguesa, mas quando vemos o menu lá estão os secretos de porco preto (“depois de trabalharmos com o Nuno, não há outro porco que possamos usar”, diz Ana), o bacalhau salgado, um tofu “à Brás” e até uma espécie de pastéis de bacalhau na versão TA TA.
Tudo é servido com uma taça de arroz (o sticky rice, ou arroz peganhento, japonês) para se comer em cima, como na Ásia. E no final há, para sobremesa, um gelado de arroz com morangos e cereais.
Leandro Carreira abre restaurante em 2017
Encontrámos Leandro Carreira entre projectos. O cozinheiro que foi o braço direito de Nuno Mendes no Viajante terminou no final de Setembro um pop-up de um ano no Climpson’s Arch. “Nos primeiros meses, a comida que estava a fazer ainda não tinha muita direcção, era um bocado o Viajante pelo mundo”, conta. “Percebi que tinha que lhe dar um enquadramento e decidi ter uma cozinha mais virada para as coisas de Portugal. Resultou muito bem.”
Agora está a preparar tudo para, possivelmente em Março de 2017, abrir o seu próprio restaurante – que deverá chamar-se LC, como já acontecia no Climpson’s Arch. Percebeu durante este ano que para fazer uma cozinha portuguesa mais contemporânea “tinha que primeiro mostrar às pessoas as bases”. Assim, entre Janeiro e Abril, todos os fins-de-semana escolhia uma região e fazia comida tradicional. “Teve uma aceitação incrível, porque as pessoas não conheciam. Era um mundo novo para elas.”
Quanto mais se aventurava nas receitas, mais vontade tinha de pesquisar. “Fiz bonito à Brás, fiz uma receita da Beira Alta de truta abafada, genial, as pessoas adoravam a textura do peixe. Comprei livros de cozinha medieval, umas relíquias, descobri umas sardinhas marinadas em mosto de vinagre e alho, e usei essas ideias para trabalhar o produto.” Muitas vezes, quando chegavam e sentiam o cheiro de grelhados no ar, as pessoas diziam que ‘cheirava a Portugal’”.
Durante este ano no Climpson’s Arch, Leandro construiu uma imagem própria. “As pessoas olhavam para a minha cozinha como sendo um resultado da minha passagem pelo Mugaritz primeiro e pelo Viajante depois. O mais importante para mim foi ter conseguido sair dessa sombra e ter uma identidade própria.” É com essa identidade que vai abrir o novo LC, um espaço “flexível e descontraído” para a sua “cozinha portuguesa contemporânea.”
Um café/mercearia em Bethnal Green Road
Entramos na A Corner of the World quase ao mesmo tempo que a dona Irene. Ivo Valente sai de trás do balcão para nos receber com um sorriso enquanto dona Irene se senta numa das mesas e começa a conversar. Veio trazer a sopa que faz para aqui e está a falar sobre as empadas de espinafres que tem para cozinhar. “A dona Irene faz-nos também os pastéis de bacalhau e o bacalhau com natas”, explica Ivo.
O ambiente é familiar e parece que estamos numa mercearia/café em Portugal. Nos armários há produtos portugueses, conservas, azeites, doces de pequenos produtores biológicos, garrafas de Água das Pedras e de Compal. Em cima do balcão, pastéis de nata e bolas de Berlim. No quadro em ardósia anuncia-se, entre outras coisas, “sardines on bread”, meia-de-leite e rissóis. E a password para o Wi-Fi é “Portugal”.
A Corner of the World, inaugurado em 2015, é um projecto de Margarita Meneses, meia portuguesa, meia espanhola, que foi viver para Londres e quis abrir este espaço que é português mas não só, é também espanhol e, na verdade, de todo o mundo. “Além da dona Irene, temos outros vizinhos que fazem coisas para nós”, conta. “A senhora da papelaria faz bolos e há outra senhora de Trinidad e Tobago a quem pedimos um bolo tradicional. Trabalhamos muito com as pessoas aqui à volta.”
Fica numa esquina (neste dia) cheia de sol da Bethnal Green Road porque, diz Margarita, “este é um bairro que engloba o mundo inteiro”. Há espanhóis e italianos que vêm à procura de um expresso como gostam, há brasileiros, ingleses, franceses, bengalis, indianos. E há interesse nas coisas portuguesas? “Sem dúvida”, responde Margarita. “Em Londres as pessoas estão muito abertas a tudo e há cada vez mais gente a falar de Portugal com imenso carinho. Não encontro melhor palavra, é mesmo carinho.”
A Portuguese Love Affair
É na encantadora Columbia Road, por entre a fileira de lojas de montras que tanto podem ser de um artesão que faz trabalhos com papel como de uma padaria com pão também artesanal e cheiro irresistível, que fica A Portuguese Love Affair. No dia em que passamos as lojas estão fechadas (a melhor altura para ir é ao fim-de-semana), mas Olga Cruchinho está dentro d’A Portuguese Love Affair a fazer arrumações.
O projecto é de Olga e Dina Martins que, depois de uma aventura com o bar do Grémio Lisbonense, na capital portuguesa, decidiram apostar em Londres, onde Olga já tinha vivido durante vários anos. Inicialmente a ideia até era fazer algum dinheiro e voltar para Portugal. Mas, como diz Olga, “só que Londres aconteceu” e ficou difícil ter vontade de ir embora.
Surgiu a ideia da loja com produtos portugueses – assumem que A Vida Portuguesa, de Catarina Portas, serviu de inspiração. “O que temos como mais-valia é que somos portuguesas e temos uma história para contar.” E ao fim de muito tempo à procura de um espaço, apareceu esta loja, pequena mas muito bonita, na apetecível Columbia Road. Abriram em Agosto de 2013.
Em Londres “havia algumas coisas ligadas à alimentação” mas uma loja que trouxesse produtos de qualidade, como as cerâmicas Bordallo Pinheiro, as conservas da Conserveira de Lisboa, ou os sabonetes e outros produtos da Casealbel – para além dos vinhos portugueses que têm vindo a conquistar cada vez mais prateleiras pela procura que têm – ainda não existia. “Sentimos que havia esse espaço.” E notaram um fenómeno: “São cada vez mais as pessoas que aqui entram que ou estiveram em Portugal ou vão lá em breve. Tem sido um crescendo que atingiu um pico este Verão.”
The Portuguese Conspiracy
“Contaminar Londres com a riqueza de uma extraordinária e vibrante cultura portuguesa contemporânea” é o objectivo declarado da The Portuguese Conspiracy, um grupo de amigos que, tendo como núcleo central Rita Maia e José Cardoso, quiseram mostrar em East London a comida, a arquitectura, o vinho, o cinema, a música portuguesa.
Se o Supper Club, que surgiu em 2013, é uma forma de juntar pessoas à volta da mesa e dar-lhes a conhecer a cozinha portuguesa, por vezes com jantares temáticos, outras com chefs convidados, provas de vinhos, etc. há, por outro lado, os concertos e festivais de música, as sessões de cinema (ligadas ao Indie Lisboa) e uma loja que vende produtos portugueses online.
“A iniciativa nasceu de uma forma relativamente orgânica: gostamos de comida, vinho, música, arte portuguesa... os jantares surgem da vontade de partilhar isso, num contexto mais ‘imersivo’, onde pudéssemos apresentar uma imagem mais completa e diversa da cultura contemporânea portuguesa”, explicam Rita e José.
Sentiram que já existia em Londres espaço para isso. “A curiosidade e o reconhecimento da qualidade dos produtos portugueses, da gastronomia e dos vinhos tem aumentado exponencialmente nos últimos anos”, garantem.
Move-os “o desejo de dar uma visão diferente: Portugal não é apenas dívida e défice”, explicam no site. “Apesar das profundas dificuldades sociais e económicas actuais, o país a rebentar de criatividade e novas ideias, pontos de vista únicos e manifestações artísticas que abrem novos caminhos na cultura portuguesa contemporânea.”