“Não foi por falta de consumo que a produção caiu abruptamente”

Desde os anos 1970 até hoje os agricultores portugueses foram abandonando o grão e o feijão.

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Produção de leguminosas caiu a pique José Maria Ferreira

Os números são muito claros: se o consumo de leguminosas foi caindo em Portugal desde os anos 70, já a produção caiu a pique. “A produção em 1970 era de um pouco mais de 50 mil toneladas e actualmente anda pelas três mil toneladas [por ano]”, resume José Lima Santos, professor do Instituto Superior de Agronomia (ISA) e membro do Colégio 3F da Universidade de Lisboa, citando números de uma tese que orientou, da autoria de Maria da Piedade Malheiro, centrada no feijão e grão-de-bico em Portugal.

A Universidade de Lisboa organiza nesta quinta-feira uma conferência para discutir como será possível aumentar o consumo e a produção de leguminosas.

O facto de o consumo ter caído menos do que a produção leva a que o país tenha hoje de importar leguminosas. “Não foi por falta de consumo que a produção caiu abruptamente”, afirma Lima Santos. Para este especialista, a reforma da Política Agrícola Comum (PAC) em 1992 pode ajudar a explicar em parte o fenómeno, por ter privilegiado o cultivo de cereais em detrimento das leguminosas.

Houve também, a partir da década de 70, uma enorme quebra de mão-de-obra na agricultura — e culturas tradicionais como as que, no Norte do país, juntavam o feijão e o milho exigiam muitos braços para trabalhar. Por fim, a introdução dos adubos azotados de fabrico industrial veio substituir aquela que é uma das grandes funções das leguminosas: ajudar a fixar o azoto no solo, de forma natural. Os agricultores deixaram de precisar delas e, dado que não eram economicamente competitivas, abandonaram-nas.

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Eduardo Diniz, director do Gabinete de Planeamento e Políticas do Ministério da Agricultura, Florestas e do Desenvolvimento Rural, confirma a queda aparatosa da área agrícola destinada às leguminosas. “Temos actualmente dez mil hectares, o que representa uma queda de quase 90%, sobretudo na Beira Litoral e Entre Douro e Minho.” Houve, por outro lado, uma “reconfiguração geográfica” com um aumento relativo da área no Alentejo. E enumera os países dos quais Portugal mais importa: Argentina, China e Canadá, “os grandes produtores mundiais”.

“As leguminosas secas foram sempre uma cultura secundária, geralmente associada aos cereais, e o grande baque das leguminosas acompanha o dos cereais”, diz. Entretanto, a PAC sofreu novas reformas e a última valoriza mais a componente ambiental, obrigando os produtores a reservar uma área para fins ambientais.

Eduardo Diniz vê aí uma oportunidade, já que os produtores podem aproveitar essa área “ambiental” para plantar leguminosas que vão fixar o azoto nos solos. E acredita, por outro lado, que a União Europeia continuará a evoluir nestas questões. “Tal como já se integraram mais questões ambientais, no futuro vão integrar-se preocupações ligadas à alimentação.”

Apoios para quem produzir leguminosas

Quais deverão então ser as apostas de Portugal para aumentar a produção? Lima Santos refere a possibilidade de criar um imposto sobre as emissões de gases nocivos pelo uso de adubos azotados, mas reconhece que é difícil monotorizar cada produtor. Taxar os adubos pode também ser injusto, porque “há formas de usar o adubo criando pouca poluição”. Outra possibilidade seria a criação de apoios agro-ambientais para quem integrasse leguminosas na produção.

Eduardo Diniz afirma, por seu lado, que a aposta tem de ser numa “dupla estratégia”: desenvolver nichos de qualidade, diferenciadores, que podem passar por variedades tradicionais e, nas zonas com mais terreno, apostar numa produção em maior escala que possa vir a ser concorrencial com as leguminosas que importamos actualmente.     

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