Pensões: um tabu com décadas e demagogia

Ontem, pela primeira vez, um ministro rompeu um tabu e merece um elogio. Mas nada indica que seja desta que se muda o sistema

Não há campo mais florescente para a demagogia do que o das pensões. Estamos a falar de um eleitorado que efectivamente vota e de um eleitorado cada vez maior. Dois milhões de pessoas são campo fértil para promessas, uma tentação para qualquer partido ganhar popularidade.

Foi por isso que nem no tempo da troika faltou dinheiro para a direita aumentar as pensões mínimas, sociais e rurais. Foi também por isso que PCP e Bloco fizeram destas pessoas o seu principal esforço neste orçamento, conseguindo um aumento extraordinário que entrará em vigor em Agosto do próximo ano.

Lendo-me, por esta altura, terei muita gente na política a insultar-me, questionando porque é que eu falo directa e abertamente de demagogia quando falo em aumentos de pensões. E não, para responder nem sequer tenho que argumentar com os aumentos de impostos que estão a caminho para compensar os pensionistas. Também nem vale a pena descrever ao detalhe o aumento de desigualdades que o Orçamento vai trazer apenas entre os mais velhos (os mais ricos terão muito mais dinheiro, tendo em conta o fim da sobretaxa; os que têm pensões abaixo de 263 euros ficam um aumento menor do que os têm 620 euros ao mês, uma decisão extraordinária para quem acusava a direita de dividir o país entre os bons e os maus).

Onde me parece muito evidente que os pensionistas são tratados sem outra racionalidade que não seja a do voto é mesmo no tabu partidário sobre a aplicação de uma simples condição de recursos às pensões não contributivas, para que os aumentos sejam só aplicados a quem precisa deles. Um tabu que reina à esquerda, mas com o qual a direita nunca rompeu, só aproveitou.

Mas ontem, pela primeira vez, um ministro ousou abrir uma janela nesta discussão. A coberto do que já tinha dito António Costa ao PÚBLICO, Vieira da Silva prometeu "avaliar em 2017 o processo das condições de recursos de uma forma generalizada", no que respeita a todas as prestações sociais não contributivas. "Avaliar" não é decidir, mas é dizer muito mais do que alguém no PS alguma vez disse. É dar um primeiro passo para introduzir alguma racionalidade no sistema. E é ter um mínimo de respeito pelos portugueses que estão e vão pagar mais impostos para que os mais velhos possam viver mais dignamente.

O PS de António Costa parece disposto a romper um tabu de décadas. E terá uma bela missão ao precisar de o discutir com os seus parceiros à esquerda (ainda na 6ª-feira, Mariana Mortágua dizia que o Bloco nunca aceitará tocar no tema). Não tenhamos, por isso, muitas ilusões. Não foi por acaso que o ministro garantiu que a medida só se aplicará às novas pensões e que nem disse a partir de quando. É que, em 2017, há eleições autárquicas. E a "geringonça" tem que continuar de pé.

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