Governo à espera de brindes do BPP e Banco de Portugal para baixar o défice
Com apenas duas operações, que não resultam de qualquer acção do Governo, o saldo orçamental sai beneficiado em 750 milhões de euros. Mas há riscos.
Os dois principais contributos para a redução do défice no próximo ano, num valor conjunto próximo de 750 milhões de euros, não são resultado de medidas decididas pelo Governo e, embora a sua concretização pelo menos parcial seja considerada provável, ainda dependem da acção de entidades externas para que a sua execução total se venha efectivamente a confirmar.
De acordo com a proposta de Orçamento do Estado para 2017 entregue pelo Governo à Assembleia da República esta sexta-feira, para a redução do défice de 2,4% para 1,6% contribuem a recuperação da garantia do BPP num valor estimado de 450 milhões de euros e um aumento dos dividendos do Banco de Portugal, no valor de 303 milhões de euros. Vistas isoladamente, estas duas operações ocupam os dois primeiros lugares da lista de medidas mais importantes para a redução do défice.
No total é uma ajuda preciosa de 0,4 pontos percentuais do PIB, de um total de 0,8 pontos de redução do défice, que caso não existisse colocaria o défice apenas nos 2% do PIB, podendo também pôr em causa as metas de redução do défice estrutural. Para ter uma ideia da importância financeira destas operações basta ter em conta que as duas operações ficam a apenas 70 milhões de euros de compensar por inteiro o custo total em 2017 associado à eliminação da sobretaxa, actualização das pensões, redução do IVA na restauração e reversão dos cortes salariais na função pública.
O problema de haver um peso tão forte destas receitas no plano de cumprimento das metas é que estas operações, não sendo o resultado de acções concretas do Governo, incluem um certo grau de risco na sua concretização. Mais exactamente, a entrada deste dinheiro nos cofres do Estado depende ainda, em diferentes graus, da acção de terceiros, que o Governo não pode totalmente controlar.
O caso da recuperação da garantia do BPP remonta a 2008, quando o Estado deu uma garantia a um sindicato bancário que emprestou 450 milhões de euros ao BPP. O BPP acabou por não pagar o empréstimo e os bancos accionaram a garantia do Estado em 2010.
Nessa altura, saíram dos cofres públicos os 450 milhões de euros correspondentes à garantia. E agora, ao fim de um processo judicial complexo e que ainda pode não estar totalmente concluído, o Governo espera poder vir a recuperar esse dinheiro no decorrer do próximo ano, uma vez que o BPP tem uma massa falida de 700 milhões de euros para distribuir pelos credores.
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A dar força às expectativas do Executivo está o facto de, numa decisão recente, o Tribunal do Comércio de Lisboa ter emitido uma sentença em que consagra o Estado como credor "garantido e privilegiado". Ainda assim, alguns dos outros credores interpuseram outras acções em tribunal, contestando a vantagem do Estado na hora de distribuir o dinheiro que sobra do BPP.
O principal risco para as contas públicas parece estar aqui no calendário exacto da recuperação da garantia já que este é um processo que se arrasta desde 2010.
No caso dos dividendos entregues pelo Banco de Portugal ao Estado, o relatório do OE fala de um aumento “no valor de 303 milhões de euros” face ao ano anterior, quando não se ultrapassaram os 186 milhões.
A dúvida que surge é se realmente o banco central irá ter os resultados necessários para garantir este acréscimo tão forte na distribuição de dividendos. A entidade liderada por Carlos Costa todos os anos entrega parte dos seus lucros (geralmente 80%) ao seu accionista. Isso dificilmente mudará.
Os lucros obtidos é que dependem de diversos factores. Uma das razões que se podem encontrar para que se registe uma melhoria dos resultados é o facto de o Banco de Portugal – em coordenação com os restantes bancos centrais da zona euro – estar a comprar um elevado montante de títulos de dívida pública, especialmente os portugueses, como os quais tem vindo a registar mais-valias consideráveis.
O problema é que o Banco de Portugal, mesmo num cenário de aumento dos lucros com essas operações, pode decidir criar provisões contra o risco dessas operações, o que acaba por penalizar os resultados líquidos do banco central.
Foi isso que fez este ano, com os resultados de 2015. O banco aumentou a sua provisão para riscos gerais em 480 milhões de euros, defendendo que “o acentuado crescimento da carteira de títulos de dívida pública detidos” constitui um risco contra o qual tem de se precaver.
Se Carlos Costa e a sua administração voltar a fazer o mesmo este ano, as expectativas de receita do Governo podem sair prejudicadas.