Fim da sobretaxa e actualização dos escalões dão alívio no IRS

Até Março, nada muda na sobretaxa. A partir daí, o fim da retenção feita mensalmente nos salários depende do rendimento de cada um. Simulações mostram descida do IRS para a generalidade dos contribuintes.

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O fim gradual da sobretaxa ao longo do próximo ano em função dos escalões de rendimento vai reduzir a factura do IRS a pagar pela generalidade dos contribuintes, mas não é só à conta desta descida que há um alívio fiscal. A actualização dos escalões à taxa de inflação também dá uma ajuda. Mas o alívio completo fica uma vez mais adiado.

A novidade do Orçamento do Estado (OE) entregue nesta sexta-feira no Parlamento foi a forma como o Governo desenhou a descida gradual da sobretaxa de IRS. Ponto prévio: ao contrário do que estava previsto, esta medida temporária não vai mesmo acabar a 1 de Janeiro de 2017. Deixa de ser aplicada ao longo do ano, mas só mesmo no final de 2017 é que todos os contribuintes deixam de sentir esse impacto no salário. Consoante o escalão de rendimento, o fim da sobretaxa ocorrerá em Março, Junho, Setembro ou Novembro.

Para já, em função do OE que o Governo divulgou, e que ainda pode sofrer alterações nas negociações entre o PS, o PCP, o BE e Os Verdes durante a discussão do documento na especialidade até ao final de Novembro, há já uma conclusão que se pode tirar. De acordo com as simulações realizadas para o PÚBLICO pela consultora PwC, que podem ser vistas acima, “existirá um desagravamento fiscal, em sede de IRS, em 2017, fruto da actualização dos escalões e da redução da sobretaxa”.

No entanto, ressalva a fiscalista Ana Duarte, estes efeitos ainda podem “sofrer ajustamentos caso venham a existir alterações ao nível das deduções à colecta, nomeadamente, das despesas de educação”. O Governo prometeu rever o regime destas deduções e a ideia de criar “deduções fiscais mais justas” em 2017 continua nas Grandes Opções do Plano, embora a versão final do OE nada tenha mudado.

“A sobretaxa continuará a ser aplicada sobre a totalidade dos rendimentos auferidos no ano, mas a taxas mais reduzidas. O OE prevê a suspensão, durante 2017, da retenção na fonte de sobretaxa consoante o valor de rendimentos mas os contribuintes só vão sentir, de facto, o alívio da sobretaxa no ano de 2018, se esta for revogada”, sublinha Ana Duarte.

O que muda

O que acontece afinal? Haverá alterações às taxas de imposto anual da sobretaxa, havendo uma redução para todos os escalões: a taxa do segundo passa para 0,25%; no terceiro escalão cai para 0,88%; no quarto desce para 2,25%; e no último passa para 3,21%.

O que vai acontecer é que deixará de haver retenção na fonte (o desconto que é feito mensalmente nos salários) a partir de determinada altura do ano, consoante o escalão. Quem está no segundo paga sobretaxa até 31 de Março; quem está no terceiro suporta a retenção durante meio ano, até 30 de Junho; os contribuintes do quarto escalão retêm sobretaxa até 30 de Setembro de 2017; e os do último escalão só não têm retenção no mês de Dezembro.

Mas, no que diz respeito aos descontos na retenção na fonte, o valor antecipado ao Estado é o mesmo deste ano. O diploma prevê que as taxas de retenção na fonte se mantenham inalteradas face a 2016, enquanto estiver em vigor o imposto. A diferença é que são reduzidas pelo tempo de aplicação ao longo de 2017. Por exemplo, para os rendimentos acima de 80 mil euros, em 2016 a taxa é de 3,5%. Para 2017, a taxa é de 3,21%, o equivalente a 11 meses a 3,5%. Assim sendo, em 2018 o que foi descontado ao longo de 2017 será equivalente à aplicação da taxa anual, não havendo nada a pagar ou a receber.

Actualmente, apenas os contribuintes com um rendimento colectável inferior a 7070 euros por ano é que não têm sobretaxa. A partir de 1 de Janeiro, nada mudará. Quem não pagava continua a não pagar e quem pagava continua a pagar exactamente o mesmo até chegar o mês em que a retenção acaba.

Redução para trabalhadores e pensionistas

Com a redução na sobretaxa e a actualização dos escalões, é possível medir qual o impacto no bolso dos contribuintes a partir de algumas simulações feitas pela PwC. Veja-se o que acontece com um casal com dois filhos, caso os seus rendimentos brutos em conjunto sejam de 42 mil euros, 84 mil ou 126 mil.

Na primeira situação, em que cada membro do casal recebe 1500 euros por mês, o casal vai pagar menos 157,82 euros de imposto no próximo ano, sendo a quase totalidade graças à redução do valor a pagar na sobretaxa, que diminuiu em 142 euros. Se em 2016 o casal paga 163 euros de sobretaxa por ano, m 2017 pagará um valor abaixo de 21 euros, o que equivale a uma redução de 87%. O rendimento líquido do casal passa de 35.376 euros para 35.533 euros.

Se o casal com dois filhos tiver o dobro do rendimento anual, ou seja, se cada um tiver um salário bruto de 3000 euros por mês, o valor a pagar pela sobretaxa cai para metade. Se este ano pagam 1022,1 euros, no próximo o valor da sobretaxa passa para 500,8 euros, ou seja, há uma redução de 51% (equivalente a 521,3 euros). Ao todo, passam a pagar menos 564,34 euros.

Já se o casal tiver um rendimento bruto de 126 mil euros (cada um recebe 4500 euros por mês), a redução é naturalmente menor na sobretaxa, na ordem dos 25%. Este ano pagam de sobretaxa 2892,5 euros e no próximo ano passam a pagar 2162,75 euros, ou seja, têm uma redução próxima de 730 euros. E no IRS a descida é da ordem dos 824 euros.

Simulemos agora o que acontece com os solteiros. Se a pessoa receber 800 euros por mês (ou seja, se tiver um rendimento bruto anual de 11.200 euros), tenha ou não um filho, a sobretaxa já não se aplicava este ano e continua a não se aplicar. Mas o imposto final a pagar também desce, neste caso cerca de oito euros – o rendimento líquido passa de 10.162,54 euros para 10.170,38 euros.

Na mesma situação, mas se o solteiro receber 1500 euros por mês, continua a pagar sobretaxa, mas a diferença chega aos 71 euros. Este ano paga 94,76 euros de sobretaxa e no próximo o valor cai para 23,69 euros. O imposto final desce não apenas por causa deste impacto e, feitas as contas, há uma descida no IRS de 78,91 euros.

De uma forma geral, a mudança só tem impacto para os pensionistas que aufiram mais de 400 euros, em relação aos quais a CES já não se vai aplicar. Para os rendimentos abaixo deste patamar, o cálculo é semelhante ao que acontece para os contribuintes casados e solteiros que aufiram rendimentos do trabalho.

O OE não traz mudanças nos escalões de IRS. Mantêm-se os actuais cinco patamares, com a diferença de que há uma actualização dos limites do rendimento colectável aos valores da inflação: o primeiro passa a avançar até os 7091 euros, o segundo aplica-se dos rendimentos acima deste valor até 20.261 euros, o terceiro dos rendimentos acima de 20.261 até 40.522 euros, o quarto de mais 40.522 euros até 80.640 euros e o último escalão começa nos valores acima de 80.640 euros.

Declaração automática

Não é só na factura do IRS que se espera mudanças. No Orçamento, o Governo avança já com a ideia de em 2017 passar a haver uma  “Declaração Automática de Rendimentos”, embora apenas para uma parte dos contribuintes.

Quando chegar o momento de entrega do IRS no próximo ano, o Portal das Finanças vai passar a disponibilizar uma declaração provisória, bastando aos contribuintes confirmar a informação pré-preenchida ou, em alternativa, entregar normalmente se a situação tributária assumida pelo fisco não estiver certa.

O universo dos contribuintes abrangidos ainda não está especificado (será definido por decreto). Certo é que “nesta primeira fase, o IRS Automático estará disponível para um universo inicial de mais de um milhão de contribuintes que representam as situações de liquidação mais simples. Gradualmente, ao longo dos próximos anos, este universo será alargado a todos os contribuintes que apenas aufiram rendimentos de trabalho dependente e pensões”, refere o Governo no relatório do OE.

Com a informação que já conhece, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) disponibiliza no site das Finanças três informações: “uma declaração de rendimentos provisória por cada regime de tributação, separada e conjunta” se for esse o caso dos contribuintes em causa; a liquidação provisória do imposto; e ainda “os elementos que serviram de base ao cálculo das deduções à colecta”, mediante os dados conhecidos através do E-Factura.

Se um cidadão não confirmar ou não entregar qualquer declaração, a AT assume a declaração provisória como certa, ou seja, converte-a automaticamente em declaração entregue. Mas nestes casos, para salvaguarda do contribuinte, a pessoa tem 30 dias após a liquidação do IRS para entregar uma declaração de substituição, podendo fazê-lo “sem qualquer penalidade”.

Já se a declaração não corresponder à situação tributária, aplica-se a entrega do IRS tal como acontece hoje, ou seja, os contribuintes “devem apresentar, dentro do prazo legal, a declaração de rendimentos”. Assim que uma declaração provisória é confirmada, a liquidação provisória passa então a definitiva.

Entrega durante dois meses

Ao mesmo tempo, passará a haver um prazo único de entrega, mais alargado, durante dois meses, deixando de existir períodos distintos consoante a categoria de rendimento. A entrega da declaração passa a acontecer de 1 de Abril a 31 de Maio para todas as situações (rendimentos de trabalho dependente, de pensões e para quem a declarar rendimentos profissionais, de capitais ou patrimoniais).

No OE ficou também previsto reforçar a redução do IRS consagrada na lei para os trabalhadores com deficiência. Para ser calculado o imposto a pagar, apenas será considerado 85% do rendimento bruto dos trabalhadores com rendimentos do trabalho dependente ou rendimentos empresariais e profissionais, quando actualmente o imposto incide sobre 90% do rendimento.

No caso dos cidadãos com deficiência que sejam pensionistas não há alterações: o IRS a pagar mantém-se nos 90%. Até hoje, esta redução era igual para os trabalhadores e os pensionistas, passando agora a haver uma redução maior para quem tem rendimentos do trabalho.

Como vai funcionar a sobretaxa de IRS

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