Que surpresas esta Europa nos reserva?
Nada faz prever que os tempos que se aproximam sejam de harmonia e de pacífico diálogo.
Apesar de o assunto ser de inequívoca importância e de ter suscitado nos últimos meses sucessivas e diversificadas abordagens, ninguém sabe ainda como vai ser a Europa pós-“Brexit”. A única coisa que se sabe é que a primeira-ministra britânica afirmou, com a contundência do que deixou de estar aberto a debate, que o seu país, independentemente do que irá ser o grau de empenhamento da Escócia, vai aproveitar esta nova situação para liderar um novo ciclo político. Porém, para que tal aconteça e se torne exequível, será necessário que a Grã-Bretanha renuncie aos privilégios que o seu vínculo à União Europeia lhe conferiu e que agora não pode nem deve usar em benefício próprio.
Percebe-se a prudência táctica e diplomática de Bruxelas, mas a verdade é que esta situação não se pode prolongar, desde logo no processo de desvinculação dos britânicos às posições que ocupavam e ainda ocupam como resultado de terem sido membros destacados da União Europeia. Se esse tempo terminou, também devem cessar os privilégios, sob pena de se criar um contexto que virá tornar ainda mais complexa e labiríntica a situação europeia.
Tudo se tornará agora mais complexo e difícil de resolver, mesmo considerando que Jean-Claude Juncker aposta numa política de defesa que, tal como a existência dos muros, tudo pode complicar, porque quem se defende também desafia, porque quem exclui e inclui também afronta.
No passado dia 14 de Setembro, a Comissão Europeia anunciou aquilo que, de uma forma simplificada, se pode classificar como o seu “pacote de direitos de autor”. A União deixa claro que enviou sinais às plataformas de serviços no sentido de que não podem deixar de estar sujeitas ao respeito por uma regulação efectiva e de que distorções do mercado único digital para os conteúdos criativos devem ser evitadas.
Numa Europa dividida e com conceitos dificilmente harmonizáveis no que toca aos valores a proteger e a partilhar, nada faz prever que os tempos que se aproximam sejam de harmonia e de pacífico diálogo, porque a política praticada em Bruxelas constitui uma intrincada teia de avanços, recuos e cedências.
Christophe Depreter, presidente do GESAC (Grupo Europeu de Sociedades de Autores e Compositores), cuja direcção a SPA integra e que tem sede em Bruxelas, declarou que “a liberdade de expressão dos criadores só pode existir se houver uma liberdade para criar e ser remunerado de forma justa”. E acrescentou: “Por isso é crucial ter regras claras sobre a forma de tornar legítima a disponibilização das obras criativas disponíveis em plataformas.” Acredita o GESAC, que reuniu a sua direcção em Bruxelas no passado dia 5 de Outubro, que podemos estar no caminho para obter um nível mais equitativo para as plataformas e para os inovadores e mais diversidade e acessibilidade para os consumidores. Recorde-se que mais de 22 mil criadores de todas as disciplinas artísticas, com os portugueses dignamente incluídos, tomaram uma clara posição sobre a protecção dos direitos de utilização das suas obras numa carta enviada à Comissão Europeia. O GESAC acredita que a sua voz e a dos criadores que mobilizou irá ser ouvida pelos eurodeputados e pelos Estados-membros. Veremos como e quando, enquanto surgem novos muros, como o de Calais, que tornam ainda mais tensa, confusa e ameaçadora a política europeia.
É esta a nossa Europa e como dela não se emigra, a não ser para melhores e mais corajosas políticas, devemos juntar energias para virmos a viver melhores dias, também e sempre com o contributo criativo dos autores. E como não será possível a Europa voltar atrás, vontade expressa pela chanceler Angela Merkel, devemos trabalhar com o que temos, acreditando que o futuro não nos deixará indefesos e ainda mais inseguros.
Escritor, jornalista, presidente da Sociedade Portuguesa de Autores