O que José Saramago escreveu sobre Dario Fo

Escolhidos por Pilar del Río, presidente da Fundação José Saramago, excertos de textos em que o Nobel português falava de Dario Fo.

Dos Cadernos de Lanzarote V

9 de Outubro

Foi muito simples. Encontrávamo-nos na cozinha, Pilar e eu, sás, quando a rádio informou que o Prémio Nobel tinha sido atribuído a Dario Fo. Olhámo-nos tranquilamente (sim, tranquilamente, jurá-lo-ia se fosse necessário) e eu disse: “Pronto. Podemos voltar ao nosso sossego.” Falámos depois sobre o que naquele momento sentíamos, e ambos estivemos de acordo: alívio. Amanhã partiremos para Colónia, onde me reunirei a alguns colegas a fim de iniciarmos o périplo que nos foi traçado, e a outros que virão ou já se encontram em terras alemãs, para cabal execução dos planos da presença portuguesa na Feira do Livro de Frankfurt. Iremos directamente a Colónia num voo charter que sairá de Fuerteventura de manhã cedo: teremos de madrugar se não queremos perder o avião.

14 de Outubro

Frankfurt. Pilar telefonou hoje para casa, a saber se havia alguma novidade, e realmente, sim, havia novidade, a mais inesperada de todas as possíveis, aquela que nunca seríamos capazes de imaginar: nada mais nada menos que uma chamada telefónica de Dario Fo a dizer: “Sou um ladrão, roubei-te o prémio. Um dia será a tua vez. Abraço-te.” Mal saí do do assombro em que a notícia me tinha deixado, disse a Pilar: “Suponho que uma coisa assim nunca terá acontecido na história deste prémio...”, e Pilar, sábia, respondeu-me: “Não há que perder a confiança na generosidade humana...”

De Outros Cadernos de Saramago

Sexta-feira, 17 de Abril de 2009

Com Dario Fo e quantos se reuniram no auditório da Caja Granada para assistir à cerimónia da entrega do prémio à Cooperação Internacional que a mesma Caixa vem atribuindo, salvo erro, desde há dez anos, e que este ano nos coube a Fo e a mim, deveria ter eu estado para, como disse numa declaração gravada, partilhar as alegrias e os abraços próprios do momento. Infelizmente, não pude fazer a viagem, mas as actuais tecnologias de comunicação quase me fizeram viver em tempo real o desenrolar do acto em que, por solicitação minha, logo amavelmente satisfeita, fui representado pelo Reitor da Universidade de Granada. De certo modo, Dario Fo e eu representávamos ali o Festival Sete Sóis-Sete Luas de que nos honramos ser presidentes honorários. Como é tradição na história deste prémio, o valor dele, a que o premiado renuncia, irá beneficiar uma instituição cultural ou de actividades sociais, neste caso, o próprio Festival, que o aplicará na construção de um centro cultural na Ribeira Grande, em Cabo Verde, esse país enfeitiçador, como eu disse na minha declaração gravada. Depois de tudo isto, creio poder dizer que da entrega do prémio Caja Granada à Cooperação Internacional saímos todos, incluindo este ausente, mais ou menos enfeitiçados.

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