Finanças contrariam Rocha Andrade: perdão fiscal não se aplica à Galp
Ministério das Finanças esclarece que as dívidas das contribuições extraordinárias, como a que a Galp recusa pagar, não estão abrangidas.
Afinal, o programa de amnistia fiscal anunciado ontem pelo Governo não se aplica a casos como o da Galp, ou seja às empresas que estão a dever ao Estado as contribuições extraordinárias a que estão obrigadas. O Ministério das Finanças confirmou ao PÚBLICO que o “diploma não se aplica às contribuições extraordinárias, pela sua natureza. Assim, sempre que estejam em causa dívidas referentes a estas contribuições o programa aprovado não se aplica qualquer que seja o contribuinte”.
O ministério contraria assim as declarações do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais que esta quinta-feira à tarde disse numa audição no Parlamento que “qualquer contribuinte que esteja a litigar com o fisco e que não tenha feito previamente o pagamento pode fazer o pagamento nos termos deste regime”.
Esta explicação foi dada por Fernando Rocha Andrade à deputada centrista Cecília Meireles que lhe perguntara directamente se “o contribuinte fiscal Galp tem ou não dívidas que possam beneficiar deste regime” – numa alusão à polémica das viagens pagas pela petrolífera a vários membros do Governo, incluindo o secretário de Estado, aos jogos do Europeu de Futebol em França. “Se há um contribuinte que litiga com o fisco um valor relativamente elevado , posso dizer-lhe que este regime se aplica à dívida em execução activa e à dívida em execução suspensa”, acrescentou.
Ontem à noite, o gabinete do primeiro-ministro enviou uma nota às redacções desmentindo “categoricamente que tenha sido aprovado um perdão fiscal. Não há nenhum perdão fiscal”. O gabinete de António Costa vinca que as empresas e particulares “terão de pagar todos os impostos em dívida”, e que “apenas poderão pagas a prestações e ter isenção de juros de dívida e custas processuais”. E reitera que o objectivo deste Programa Especial de Redução do Endividamento ao Estado (Peres) “não é o encaixe financeiro, mas preparar as empresas para se recapitalizarem a partir de Janeiro” próximo.
Bloco tem dúvidas sobre perdão
O Bloco de Esquerda, que apoia o Governo no Parlamento, nunca foi muito favorável a perdões fiscais por terem “alguns efeitos nocivos na economia. Estamos a dizer às pessoas que podem não pagar impostos porque depois virá um perdão”, realçou a coordenadora numa entrevista à SIC na quinta-feira à noite. “Achamos que a Galp não é uma empresa em dificuldades que precise de um perdão fiscal”, disse.
Catarina Martins considerou que “estas medidas, a serem aplicadas, deviam sê-lo só em determinados casos e com uma análise da absoluta necessidade disto”. E exemplificou: “É completamente diferente uma família que foi vítima do desemprego, acumulou uma dívida e precisa de um plano de pagamentos especiais ao fisco ou à Segurança Social para regularizar a sua situação, ou um empresa que com a crise pode perder os posto de trabalho e acumulou uma dívida e precisa de um plano. Ou fazer-se um perdão cego que serve para toda a gente que se aplica a quem precisa e não precisa e com isso está-se a premiar os infractores.”
O PSD, que usou o expediente do regime de regularização extraordinário de dívidas fiscais e contributivas em 2013 conseguindo um encaixe de quase 1,3 mil milhões de euros, veio criticar a opção do Governo socialista. No Parlamento, o deputado Duarte Pacheco disse que o Executivo acaba de reconhecer que a execução orçamental está a correr mal e é precisa uma receita extraordinária. “Caiu a máscara ao Governo.” Na comissão onde Rocha Andrade foi ouvido, foi a vez do deputado Paulo Rios de Oliveira apontar: "A avidez fiscal deste Governo parece não ter limites.”
À TSF, o antigo deputado social-democrata Pedro Duarte criticou a tentativa de António Costa de recusar a natureza desta amnistia fiscal. “Pode ser, por razões mais técnicas ou menos técnicas, diferente de regimes anteriores, mas não deixa de ser um perdão fiscal por muito que lhe tentemos chamar outra coisa qualquer”.
"Não é nenhum pecado", diz Ferreira Leite
Manuela Ferreira Leite, antiga líder do PSD, tem uma opinião diferente. Na TVI24, ontem à noite, lembrou que enquanto ministra das Finanças de Durão Barroso tomou uma “medida igual a esta”. “Não vejo nisso nenhum pecado”, vincou. E recordou que “correu optimamente, do ponto de vista da receita teve uma receita absolutamente inesperada.” Em 2002, o Estado encaixou 1,16 mil milhões de euros e no ano seguinte mais 197 milhões.
“Obviamente que quando o Governo toma esta medida é para obter receita”, acrescentou Manuela Ferreira Leite, admitindo que cada Executivo que o faz “diz sempre que é a última vez e não lhe quer chamar perdão fiscal”. Especificou que “não se perdoa o pagamento do imposto, mas tenta-se dar uma forma para que as empresas e as famílias consigam de alguma forma aliviar os seus balanços. Porque uma empresa muito endividada não consegue amortizar a sua dívida por ter os encargos com os juros nem obter financiamento junto dos bancos.” E admitiu que “pode ser um bom contributo para o crescimento económico” – como o argumento usado agora pelo gabinete de António Costa.