Shimon Peres: “O meu objectivo na vida é servir o meu povo”
“Sê judeu, sempre!” Estas foram as últimas palavras que o jovem Szymon Perski ouviu do seu avô materno, Zvi Meltzer, na estação do comboio de Vishneva na Polónia, hoje Bielorrússia, que o levaria aos 11 anos, juntamente com a mãe Sarah e o irmão Guershon, para a Palestina mandatária onde já se encontrava o pai.
Corria o ano de 1934 e uns anos mais tarde todos os membros das famílias materna e paterna que permaneceram em Vishneva seriam massacrados pelos nazis. Mas a mensagem do avô permaneceu na mente da criança que será mais tarde Shimon Peres. Foi com ele que aprendeu os rudimentos do judaísmo, que se iniciou na leitura do Talmude, era com ele que ia regularmente à sinagoga. Mas foi também com ele e, em particular com a mãe, que despertou para a cultura secular e universal, começando a devorar os clássicos da literatura russa. O gosto pela leitura incutido por Sarah, acompanhá-lo-ia sempre ao longo da vida.
A influência dos pais também se fez sentir na sua adesão ao sionismo. Ambos eram seculares e participavam activamente nos numerosos e dinâmicos movimentos sionistas da cidade. O biógrafo de Shimon Peres, Michael Bar Zohar, conta o deslumbramento do adolescente quando assiste à sessão de apresentação de um enviado dos judeus da Palestina, que depois de relatar as realizações dos pioneiros, mostrou a toda a assistência uma belíssima laranja dourada “símbolo das mais preciosas esperanças e sonhos…”.
Assim, ao chegar a Eretz Israel, à Terra de Israel, o jovem Perski traz na sua bagagem afectiva e mental o ardor sionista e o amor pela cultura. São características marcantes que o acompanharão ao longo de toda a sua vida: a primeira determinará a entrega total à fundação e construção do Estado de Israel, a segunda, a sua permanente actualização em todos os campos da acção humana…
Mas Szymon é um menino diferente: o seu hebraico carrega a pronúncia Iídiche – que permanecerá toda a vida – é franzino, pálido e introvertido. O contrário da imagem dos jovens “sabras”- nascidos na terra que será Israel - bronzeados, musculados e informais, cuja aura de liberdade e auto-confiança fascina o adolescente. Mas o desejo ardente de integração supera tudo: o primeiro passo é a adesão à Juventude Trabalhista com cujo ideário democrático e de regeneração pelo trabalho se identifica. Aos quinze anos consegue uma bolsa de estudo para a escola de agricultura na aldeia de jovens de Ben Shemen que acolhe jovens imigrantes e israelitas. É aí que que Szymon Perski se transformará em Shimon Peres, embora a mudança do nome se faça mais tarde: “O meu objectivo na vida é servir o meu povo”, escreve nessa altura. Faz parte da guarda da organização de defesa paramilitar, a Haganá, estuda e trabalha. E lê avidamente tudo que lhe cai nas mãos, escreve também poemas e ensaios para a revista dos Jovens Trabalhistas, organiza debates sobre os temas mais variados.
É também aí que encontra a mulher e companheira de toda a vida, Sónia Gelman. A guerra separa-os temporariamente, Sónia alista-se como enfermeira voluntária no exército britânico, Shimon, não. Para ele o mais importante é e será sempre a acção política. Nunca foi soldado, nem antes nem depois da criação do Estado de Israel. Apoiado e guiado por Ben-Gurion a sua ascensão política foi fulgurante e, desde o início, ligada à construção do poderio militar de Israel de que foi o grande obreiro.
O adolescente que jurou dedicar a vida ao serviço do seu povo cumpriu a promessa até ao limite das suas forças. E fê-lo através da acção cívica e política ocupando sempre cargos cimeiros de grande responsabilidade: foi ministro de várias pastas, primeiro-ministro duas vezes, presidente do Estado de Israel. Foi, juntamente com Itzhak Rabin e Yasser Arafat, Prémio Nobel da Paz pela sua acção decisiva no estabelecimento dos Acordos de Oslo, um ano antes. Em 1996, criou o Centro Peres para a Paz no Médio-Oriente, destinado a incentivar a paz e a prosperidade entre os povos da região.
Nem sempre foi compreendido nem apreciado na justa medida. Aliás essa é frequentemente a marca dos grandes homens porque nem sempre correspondem aos códigos e critérios de avaliação das suas próprias sociedades. Num país em que o exército foi e continua a ser o pilar da existência e da segurança do Estado e onde não há família que não tenha servido no exército nas suas diferentes gerações de homens e mulheres, o facto de Shimon Peres nunca ter combatido nem na guerra de Independência, nem nas sucessivas guerras de Israel, era considerado uma falha. Peres deu um contributo à defesa do país maior do que muitos soldados no terreno – nomeadamente na aquisição de armamento, em particular na aviação militar. Mas em Israel, os heróis e de uma forma geral a elite dirigente da sua geração eram homens que tinham combatido e arriscado a sua vida: Moshe Dayan, Igal Allon, Itzhak Rabin, Ariel Sharon…
Por outro lado, nem sempre o seu discurso era entendido pelo grande público. Peres era estranho às tiradas populistas e o seu pensamento voava muitas vezes à frente do seu tempo, alimentado por uma curiosidade insaciável pela inovação, a ciência, as novas tecnologias e pelo conhecimento de uma forma geral. O que lhe valeu por vezes de ser considerado um sonhador. Talvez fosse, mas toda a vida lutou para concretizar os seus sonhos, em particular o sonho de fazer a paz com os vizinhos palestinianos. Peres percebeu que a segurança de Israel estava ligada à paz entre os dois povos e que esta tinha de passar pela existência de dois Estados livres e soberanos.
No prefácio ao livro “Israel, ontem e hoje” coordenado por mim própria e por Joshua Ruah, ele escreveu em 2006: “A resolução do conflito pode finalmente libertar-nos. Ao encararmos a realidade, seremos livres para viver uma vida de criatividade, prosperidade e paz. Podemos passar de uma era da terra a uma era do conhecimento. Evoluiremos da guerra pela terra para a competição pelas realizações científicas. O advento do intelecto humano criou uma oportunidade para colocarmos um ponto final à era das guerras. É um apelo a que temos de corresponder…”