Uma vergonha chamada Metro de Lisboa
Desde que vim para Lisboa, há 26 anos, não me recordo de algum dia o serviço de metro ser tão mau como é actualmente.
Se alguém tivesse dúvidas de como este país roça por vezes os limites da indigência política, económica, sindical e mediática, o actual estado do Metro de Lisboa estava aí para o provar. Embora eu corra o risco de desiludir todos aqueles que estão convencidos de que sou um beto de Cascais com motorista e caddie, a verdade é que passo a vida a andar de metro. E desde que vim para Lisboa, há 26 anos, não me recordo de algum dia o serviço de metro ser tão mau como é actualmente.
Nós já conhecíamos as escadas rolantes que não rolam. Experimentámos carruagens a abarrotar. Vimos os comboios da Linha Verde diminuírem de quatro para três composições ao mesmo tempo que o turismo explodia em Lisboa. Deparámo-nos com obras na estação do Areeiro dignas de Santa Engrácia. Aguentámos intermináveis problemas técnicos na Linha Azul e envelhecemos a escutar avisos de que “o tempo de espera pode ser superior ao normal”. Penámos, e muito, com resmas de greves consecutivas, que nunca foram descontadas nos passes mensais. E a única coisa que podemos celebrar é o facto de essas greves terem diminuído imenso no último ano, apesar da qualidade do serviço ser cada vez pior. Fazer acordos com o PCP traz certas vantagens.
Há duas semanas, contudo, aconteceu coisa nunca vista: o esgotamento de stock dos cartões Viva Viagem. “Viva Viagem” é apenas um nome fino para um simples bilhete – o único bilhete que permite entrar e viajar no metro, e que pode ser comprado nas máquinas automáticas. Ou melhor: podia. Agora voltámos ao tempo do trabalho braçal. As máquinas do metro ostentam um autocolante a dizer que não emitem cartões e para distribuir os poucos que ainda há foi preciso reabrir vários pontos de atendimento das estações, onde zelosos funcionários os entregam à mão. Aos utentes resta acertar no átrio onde os funcionários se encontram (não há funcionários para todos) e ir para a fila. Quanto aos turistas, podem sempre apreciar o nosso modo de vida terceiro-mundista, tirando selfies com os indígenas.
A minha questão é esta: por que raio não há bilhetes? Os (poucos) jornais que já falaram sobre o assunto nunca chegaram a explicar. O Metro apenas refere “falhas na entrega” por parte da Otlis, empresa que é um “agrupamento complementar” das várias empresas de transporte a actuar na Grande Lisboa, e que no caso do metro detém o monopólio dos seus bilhetes – ah, como é bom estar nas mãos de um só fornecedor. Aparentemente, ninguém na comunicação social foi ainda bater à porta da Otlis – ou sequer explicou o que a Otlis é –, e 15 dias depois a situação não só continua por resolver, como não há prazo definido para a sua resolução. Os sindicatos do Metro, antigamente tão lestos a avançarem para greve, mostram-se agora disponíveis para colaborar num “plano de contingência”, e as televisões, sempre tão lestas a fazer directos à porta de estações fechadas com bilhetes, parecem impressionar-se pouco com estações abertas sem bilhetes.
Felizmente, a página de austeridade foi virada. Não tivesse sido, e o estado miserável em que a empresa se encontra, com comboios impedidos de circular por falta de peças, dever-se-ia a um ministério das Finanças obcecado com o défice, por se recusar a abrir a bolsa para as despesas mais elementares. Como a austeridade acabou, nada disto se passa. O povo é sereno. E, mais importante do que tudo, o metro é nosso. Antes uma empresa pública parada do que uma privada a funcionar.