A maldição de Dédalo ou uma ideia de Europa que chega ao fim
Se fecharmos os muros à nossa volta, ficamos presos do lado de dentro.
A União Europeia está, novamente, em turbilhão. Há um grupo de países que, de pleno direito, quer ter os mesmos direitos que todos os Estados-membros, isto é, quer o direito aos fundos comunitários, o direito à livre circulação dos seus cidadãos, dos seus produtos e dos seus serviços. Quer o direito a votar e a vetar decisões conjuntas. Quer o direito a ser parte de uma União Europeia de vantagens. Este grupo de países tem muito em comum entre si: partilha uma história, um mesmo espaço geográfico, os seus países partilham fronteiras e, nos últimos tempos, partilham ideias. Algumas destas partilhas são desafios para a Europa dos deveres, para a Europa dos valores. Para uma Europa sustentável. Para uma Europa coesa. Para uma Europa de futuro.
Há uma ideia que emerge que, pelo menos a mim, me assusta: a de que há direitos sem deveres e que há “velhos” valores europeus que já não fazem sentido na “nova” Europa. Que há “velhos Estados-membro” que são responsáveis pelas crises atuais e que “novos Estados-membro” são os ideólogos das soluções. O grupo de que vos falo chama-se Grupo de Visegrado e é composto pelos governos/governantes da Hungria, Polónia, República Checa e Eslováquia (não confundir com os povos destes países). A este grupo de 4 juntam-se, por afinidades eletivas, governantes de outros países (a Ucrânia, por exemplo) e têm um potencial de agregar em torno de si ainda outros países das mesmas geografias políticas e sociais.
O grupo de Visegrado prepara-se para defender na próxima Cimeira de Bratislava uma posição conjunta que podemos apelidar de um nacionalismo partilhado. Um nacionalismo protecionista partilhado. Um nacionalismo de oposição às migrações, aos refugiados e, no fundo, à diversidade que nos caracteriza enquanto UE a 28. Impedir a chegada, trânsito ou permanência de migrantes étnica ou religiosamente distintos das suas populações é um ponto de união entre este grupo de 4. Desafiados pela história de uma Europa sem Fronteiras, os membros do grupo de Visegrado escolheram um caminho de porta fechada. Chamados a construir, em conjunto, uma Europa de valores, rejeitam ser solidários face aos outros Estados-membro e cerram fileiras protecionistas quanto à liberdade de circulação de seres humanos. Não aceitam acolher refugiados. Opõem-se à recolocação dos requerentes de asilo que já estão na União Europeia. São contra o caminho seguido até aqui. Tudo está errado nas políticas europeias de migrações. Nos seus discursos referem-se a Átila, o huno, como o antepassado da horda de refugiados e migrantes que agora querem invadir a Europa. Não têm pejo de associar refugiados e terrorismo, migração e medo. Não querem mais. Querem menos. Menos estrangeiros, menos muçulmanos, menos integração, menos diversidade.
Podíamos pensar que estão no seu direito mas, na verdade, não estão. A sua posição conjunta é um desafio aos deveres conjuntos dos 28 Estados-membro mas é, sobretudo, um desafio inaceitável à nossa história comum, ao humanismo europeu, aos nossos deveres conjuntos enquanto cidadãos de um espaço humanista.
As migrações são, claramente, um colossal desafio para a Europa atual. Não são um desafio pelo número. Não são um desafio pelo seu impacto económico ou social. São um desafio porque estão a gerar um discurso de ódio protecionista, de ódio nacionalista e de oposição à diversidade. Em Bratislava (e nas cimeiras que se seguirão) ou fechamos a porta aos migrantes e refugiados (como pretende o grupo de Visegrado) ou somos capazes de encontrar um consenso entre os medos e as necessidades de seres humanos iguaizinhos a nós. Se aceitarmos o medo, o protecionismo nacionalista, o discurso populista e fácil de quem tem uma solução, então, estamos condenados a perder este desafio. A um desafio colossal só a coragem da generosidade será capaz de fazer frente. Não há outra opção que não seja deixar a porta aberta às migrações, aos refugiados, à diversidade. Recordo que, se fecharmos os muros à nossa volta, ficamos presos do lado de dentro.
Sociólogo, Professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e Investigador do Centro de Estudos Sociais