As nossas praias continuam cheias de lixo e uma grande parte nem se vê
Os portugueses continuam a deixar grandes quantidades de lixo nas praias. Os plásticos, uma das matérias mais perigosas nesta ameaça ao ambiente e à saúde pública, surgem em maior quantidade. Nesta quinta-feira arranca a 1.ª Conferência Portuguesa sobre Lixo Marinho.
Costuma abandonar a beata do cigarro na praia? Deita a cotonete na sanita depois de usada? O seu esfoliante de pele ou produto dentífrico tem microesferas de plástico? Se sim, é bom saber que está a contribuir para aquele que é considerado um dos maiores problemas globais dos nossos tempos: o lixo marinho. E o pior é o plástico.
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Costuma abandonar a beata do cigarro na praia? Deita a cotonete na sanita depois de usada? O seu esfoliante de pele ou produto dentífrico tem microesferas de plástico? Se sim, é bom saber que está a contribuir para aquele que é considerado um dos maiores problemas globais dos nossos tempos: o lixo marinho. E o pior é o plástico.
A Agência Portuguesa do Ambiente (APA) voltou a detectar grandes quantidades de lixo marinho nas praias da costa portuguesa, segundo revelam as conclusões do programa de monitorização de 2015.
Plásticos/poliestireno (usado, por exemplo, para fazer esferovite), vidro, borracha, barro e cerâmica, papel/cartão, vestuário, madeira, metal, artigos médicos e sanitários foram os principais itens encontrados nas nove praias monitorizadas ao longo do ano passado na zona costeira nacional e onde foram realizadas 36 campanhas de amostragem.
Entre os milhares de itens recolhidos, os materiais de plástico voltaram a ser os identificados “em maior quantidade, tal como já se havia verificado no período anterior [2014]”.
Ainda segundo o documento, que será apresentado na 1.ª Conferência Portuguesa sobre Lixo Marinho, que decorre nesta quinta e sexta-feira em Lisboa, comparando o perfil de dados relativos a 2015 com o dos períodos anteriores, 2002-2014, “registou-se, genericamente, um decréscimo ligeiro no total nacional relativamente à contabilização de todos os materiais em conjunto”. “No entanto para o papel/cartão, entre os dois últimos anos, verificou-se um aumento de 11,5% para 19,8%.”
Nos documentos a que o PÚBLICO teve acesso não é contabilizado o número de itens encontrados, mas sendo eles muito próximos dos de 2014/2015 devem ultrapassar as 14 mil unidades nas nove praias monitorizadas, sendo que os plásticos devem estar acima dos 80% do total.
Este decréscimo ligeiro no total nacional não é, porém, valorizado pela APA, pois pode ser apenas conjuntural, tendo de se esperar pela realização de relatórios futuros para verificar se se consolida.
O lixo marinho é composto por materiais sólidos fabricados ou transformados que vão parar ao ambiente marinho de várias formas. Uma grande parte chega ao mar transportado por rios onde o lixo foi depositado.
Ainda segundo o relatório da APA, “as origens terrestres e as actividades recreativas na costa são as que mais contribuem para o lixo nas praias (turismo e saneamento)”. Já as embalagens, na maioria plástico, “representam uma quantidade bastante significativa dos materiais contabilizados na fonte correspondente ao turismo”.
Todo o mar contaminado
Num planeta em que os oceanos representam cerca de 70% da sua superfície, os investigadores dizem não existir hoje pedaço de mar, do Pólo Norte ao Pólo Sul, que não esteja contaminado pelo lixo marinho.
Uma ameaça para a vida selvagem e ecossistemas marinhos, que afecta o bem-estar e a saúde ambiental e que pode causar problemas de saúde ou entrar na cadeia alimentar. Pode ainda ter grandes impactos no turismo e custos elevados para a economia. Em 2014, a Assembleia Ambiental das Nações Unidas calculou que o lixo marinho custa à economia global cerca de 13 mil milhões de dólares (11,6 mil milhões de euros).
Com o objectivo de debater esta problemática, a Associação Portuguesa do Lixo Marinho (APLM) organiza a primeira conferência portuguesa sobre a matéria. A bióloga Paula Sobral, presidente da APLM, fala “num problema comportamental” e, em alguns casos, até “numa espécie de licença social” ou “autorização especial” para alguns tipos de lixo que é abandonado pelos portugueses e que se transforma em detritos marinhos.
Segundo um artigo da Agência Europeia para o Ambiente actualizado em Abril deste ano, 100 milhões de toneladas de lixo por ano acabam nos mares e oceanos. Entre 60 a 80% é plástico, que em Portugal, segundo Paula Sobral, representa “cerca de 90%” do lixo detectado em ambiente marinho.
O plástico tem inúmeras aplicações pelo facto de ser um material leve, de elevada durabilidade e resistente à corrosão. Estas qualidades tão úteis aos cidadãos são as mesmas que fazem dele um grande inimigo quando transformado em lixo marinho. Na maior parte dos casos leva cerca de 450 anos a degradar-se.
Plástico onde menos se espera
Garrafas, garrafões, as mais variadas embalagens, sacos, paus de cotonete e de chupa-chupas, pequenas espátulas para mexer café, isqueiros descartáveis, redes e fios de pesca, brinquedos. Todo o tipo de objectos de plástico são detectados na costa portuguesa.
Com o tempo, os efeitos da luz do sol, a água salgada e as ondas fragmentam os plásticos em pedaços cada vez mais pequenos, transformando-se em microplásticos — pedaços de diâmetro inferior a cinco milímetros. Alguns fragmentam-se mesmo em pedaços tão pequenos que só são detectados ao microscópio. Em virtude da sua dimensão e da facilidade com que se espalha no mar, os animais marinhos e as aves marinhas confundem o lixo marinho com alimento.
Segundo a Agência Europeia para o Ambiente, “mais de 40% das espécies de baleias, golfinhos e toninhas actualmente existentes, todas as espécies de tartarugas marinhas e cerca de 36% das espécies de aves marinhas ingeriram lixo marinho”. Essa ingestão não se limita a um ou dois indivíduos, afectando cardumes de peixes e bandos de aves marinhas. Estes microplásticos podem também ser ingeridos por bivalves.
Embora não exista nenhum estudo científico que prove as consequências para a saúde humana quando estes animais entram na cadeia alimentar, Paula Sobral considera existir um “perigo potencial”.
“Não é agradável para ninguém pensar que está a comer uma amêijoa que tem microplásticos no seu interior. Partículas que não se vêem, microscópicas, mas que podem lá estar”, diz a também professora da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa.
Mas os perigos do microplástico não advêm apenas da fragmentação do lixo desta matéria que chega às costas e oceanos. Ele pode estar nos produtos mais inesperados, como os de higiene, nomeadamente em cremes, esfoliantes e pastas dentífricas, “que não são retidas pelas estações de tratamento de águas residuais e podem representar uma introdução directa no ambiente marinho”, segundo é revelado no documento de discussão a apresentar na conferência.
Governos só agem sob pressão
Sensibilizar e responsabilizar as pessoas para os problemas do lixo marinho; mudar hábitos de consumo; fazer campanhas continuadas de alerta; envolver as empresas produtoras no combate ao problema, principalmente as produtoras de plásticos; reciclar e maior acção dos Governos no combate são algumas das medidas que Paula Sobral sugere para minimizar esta ameaça ambiental. “É um problema de todos. Só com o esforço de todos se pode resolver.”
Esta bióloga considera “muito positivo” o fim dos sacos de plástico grátis nos supermercados, que entrou em vigor em Fevereiro de 2015. Afirma, porém, que “foi a única medida tomada até hoje” em Portugal que ajuda a combater o problema do lixo marinho.
“Os governos só avançam por pressão da União Europeia [UE]. O fim dos sacos de plástico nos supermercados só avançou porque a UE nos obrigou. Caso contrário não avançava, porque o lobby é muito forte”, diz ainda Paula Sobral.
Para se ter uma ideia mais clara sobre a tragédia que está em curso, vários documentos citam o exemplo do Giro do Pacífico Norte, local onde se acumulam grandes quantidades de lixo à superfície devido às correntes marítimas circulares associadas aos ventos e à rotação da terra.
Neste giro, descoberto em 1997 e o mais estudado dos cinco identificados no planeta, é estimado que a área de lixo espalhada seja equivalente a três vezes a área continental dos Estados Unidos da América. Estima-se que todos os giros contenham aproximadamente 100 milhões de toneladas de lixo marinho.
Na conferência que se inicia nesta quinta-feira será também assinado o compromisso formal de criação de uma Parceria Portuguesa para o Lixo Marinho, congregando entidades de diferentes sectores da sociedade que expressaram já o seu interesse em torno da ideia de reduzir o lixo marinho em Portugal.
Já na próxima segunda-feira, Dia Nacional da Limpeza de Praias, a APLM levará a cabo uma acção de monitorização e limpeza na praia de Cruz Quebrada, em Oeiras.
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