Coitadinho do Durão
Durão Barroso pôs um bigode ridículo – considerá-lo infrequentável é a consequência óbvia de uma decisão idiota.
Pobre, pobre, Durão Barroso. Jean-Claude Juncker tirou-lhe a passadeira vermelha, que é a forma possível de lhe tirar o tapete. O actual presidente da Comissão Europeia decidiu embirrar (de novo) com a sua contratação pela Goldman Sachs. A partir de agora, Barroso está privado dos salamaleques inerentes ao cargo de ex-presidente da Comissão. Passará a ser recebido em Bruxelas não como antigo presidente, mas como um representante de interesses particulares, e por isso sujeito às mesmas regras que os outros lobistas.
Durão ficou ofendido. Não gostou que lhe chamassem lobista, porque afinal ele não é lobista, mas sim chefe de lobistas. Vai daí, enviou uma carta a Juncker que o Expresso publicou na íntegra, onde lamenta que “o simples facto de trabalhar com a Goldman Sachs” levante “questões de integridade”. “Estas afirmações são sem base e completamente sem mérito”, garante. “São discriminatórias contra mim e contra a Goldman Sachs, uma firma regulada que opera no Mercado Interno.” E são mais do que isso: “parecem também ser inconsistentes com decisões tomadas relativamente a outros ex-membros da Comissão”.
Nesse aspecto, Durão tem razão. Ele olha à volta e diz: “Então o Mario Draghi não trabalhou para a Goldman Sachs entre 2002 e 2005?” Olha mais um bocadinho e acrescenta: “Então o Mario Monti não foi comissário europeu durante dez anos e depois consultor da Goldman Sachs?”. Gira de novo o pescoço e adiciona: “Então o Peter Sutherland, meu antecessor no cargo de chairman da Goldman Sachs International, não foi comissário europeu nos anos 80?” Levanta o sobrolho e conclui: “Então o Juncker, que anda aqui armado em moralista, não andou a negociar com mais de 300 multinacionais acordo secretos que lhes permitiram fugir aos impostos, quando era primeiro-ministro do Luxemburgo?” Acerca de tudo isto Durão tem razão. Mas a resposta a estas questões resume-se a três palavras e uma canção de Bob Dylan: os tempos mudam. A palavra “Goldman Sachs” não tem em 2016 o mesmo significado que em 1986.
Pensemos no bigode de Adolf Hitler. Os americanos chamam-lhe “toothbrush moustache” e foi nos Estados Unidos que no final do século XIX tal estilo de bigode ganhou popularidade. Se bem se recordam, é o bigode de Charles Chaplin. Durante mais de duas décadas foi símbolo de gargalhadas. Nas primeiras décadas do século XX começou a ser habitual encontrá-lo na Alemanha. Infelizmente, o comportamento de Hitler destruiu a possibilidade de voltar a ser usado por pessoas respeitáveis – o seu bigodinho transformou-se num dos mais odiosos símbolos do século XX. O próprio Chaplin teve de o abandonar. Que culpa teve o bigode de Hitler na invasão da Polónia? Que se saiba, nenhuma. É uma simples opção capilar. Só que deixou de ser uma simples opção capilar. A partir da década de 40 tornou-se impossível usar aquele bigode.
Ora, para muito boa gente, a Goldman Sachs é o bigode de Adolf Hitler do século XXI. A Goldman Sachs está para o vasto mundo do capitalismo como o toothbrush moustache está para o vasto mundo dos bigodes – é uma representação, ainda que exagerada, do mal. Depois da queda do Lehman Brothers e da crise da dívida grega, qualquer político que decida ir trabalhar para a Goldman Sachs paga um alto preço reputacional. Se Durão Barroso não sabia isto é porque se esqueceu durante dez anos de sair à rua. Ele pôs um bigode ridículo – considerá-lo infrequentável é a consequência óbvia de uma decisão idiota.