Extinção em massa: nos oceanos o tamanho importa

Os maiores animais marinhos são os que têm maior risco de desaparecerem das águas do planeta. É um padrão de extinção sem precedentes, avisam os cientistas que analisaram o passado de moluscos e vertebrados recuando até há 445 milhões de anos.

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O leão-marinho-japonês (Zalophus japonicus) foi considerado extinto em 1994 Kawahara Keiga

Debaixo de água, os maiores animais são os que correm mais perigo de extinção, conclui um estudo publicado esta semana na revista científica Science. A ameaça, diz uma equipa de cientistas dos Estados Unidos, vem do homem, mais precisamente, da pesca. O que está a acontecer nos oceanos é muito diferente do que se passou há milhões de anos, constatam os autores do trabalho que relaciona o nível de ameaça com as características ecológicas dos animais.

“Percebemos que a ameaça de extinção nos oceanos modernos está fortemente associada com o tamanho do corpo dos animais”, refere Jonathan Payle, investigador da Universidade de Stanford, na Califórnia, no comunicado sobre o estudo que analisou 2497 espécies marinhas extintas e actuais — de fora ficaram animais com menos de cinco centímetros, difíceis de se encontrar no registo fóssil. “Isto deve-se muito provavelmente ao facto de as pessoas terem agora como alvo espécies maiores para o consumo”, acrescenta, realçando que o desaparecimento destes animais seria devastador para os ecossistemas marinhos.

O motor desta mudança inédita no padrão de extinções no oceano está nas tecnologias que nos levaram de uma pesca limitada a zonas costeiras até aos mares mais profundos, a bordo de embarcações maiores e mais preparadas para a pesca a grande escala. “Quando os humanos entram num novo ecossistema, os maiores animais são os que são mortos primeiro. Os sistemas marinhos foram poupados até agora porque os humanos estiveram restritos a áreas costeias e não tinham a tecnologia para pescar no oceano profundo numa escala industrial”, nota Noel Heim, outro dos autores do artigo.

“A baleia-azul está em perigo de extinção devido à caça da baleia, o atum-do-sul, muito usado no sushi, está em perigo crítico de extinção. O dugongo-de-steller, parente do manatim, foi levado à extinção no século XVIII por causa da caça. Vivia no Norte do oceano Pacífico”, diz ao PÚBLICO Andrew Bush, outro autor do estudo, da Universidade de Connecticut.  

Os cientistas analisaram a associação entre o nível de ameaça de uma espécie e características como o tamanho, em dois grandes grupos de animais marinhos — os moluscos e os vertebrados — nos últimos 500 anos. E compararam esta informação com o registo fóssil marinho desde há 445 milhões de anos, com uma atenção maior para os últimos 66 milhões de anos. O registo fóssil mostra que no passado houve vários momentos de extinção em massa. O último terá ocorrido há 65 milhões de anos, quando os dinossauros foram extintos, após a colisão de um meteoro com a Terra.

Agora, mergulhamos na anunciada “sexta extinção”. E a ameaça não vem do espaço. Investigadores de várias áreas concordam que o responsável pela limpeza de espécies — que ocorre a um ritmo assustador — é, desta vez, o homem. Mas a época em que vivemos é única, comparando com as extinções em massa que ocorreram no passado, pelo impacto que está a ter nas maiores criaturas marinhas, revela este estudo.

Nos continentes o padrão tem sido igual. “As extinções passadas, de origem humana, afectaram principalmente organismos grandes, estamos a falar da extinção da megafauna, principalmente mamíferos e aves, que ocorreu há alguns milhares de anos e que levou à extinção de 70 a 80% dos animais com mais de 35 quilos, os moas, os mamutes, os grandes rinocerontes, por exemplo”, explica ao PÚBLICO Miguel Araújo, professor na Universidade de Évora e investigador na Rede de Investigação em Biodiversidade e Biologia Evolutiva.

“Usámos registos fósseis para mostrar, de uma forma convincente e concreta, que o que está a acontecer no oceano moderno é realmente diferente do que aconteceu no passado”, afirma Noel Heim. Os investigadores concluíram que animais com uma massa corporal dez vezes maior, têm 13 vezes mais hipóteses de serem extintos. Quanto maior, pior. Os cálculos e cenários propostos pelos investigadores levam a crer que os efeitos da sexta extinção podem ultrapassar, em número de espécies e ritmo, o que aconteceu há 65 milhões de anos.

“Desde o princípio dos anos 2000 que houve contribuições importantes em revistas como a Science e a Nature, que descrevem o efeito do que se chama ‘fishing down the food web’ o que quer dizer que estamos a pescar no sentido decrescente da cadeia trófica. Pescávamos os grandes predadores, vamos passar aos intermédios e, qualquer dia, estamos aí a apanhar alforrecas”, refere ao PÚBLICO Henrique Cabral director do MARE (Centro de Ciências do Mar e do Ambiente) da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

Um dos autores citados pelo investigador português é Daniel Pauly, um biólogo marinho francês da Universidade de British Columbia, no Canadá, que tem publicado vários artigos que mostram como os resultados da pesca intensiva e o impacto no ambiente marinho são muito maiores do que se pensava. Fora do radar das estatísticas oficiais, denuncia Daniel Pauly, faz-se uma pesca intensiva sem limites ou remorsos que está a destruir muitas espécies.

Fenómeno complexo

Assim, os resultados do novo estudo não surpreendem Henrique Cabral, que é especialista em ecologia marinha. “Os peixes de maiores dimensões, como é o caso dos atuns e de alguns tubarões, há muito que estão ameaçados. Já para não falar dos mamíferos marinhos que em grande parte dos oceanos não são pescados mas também são muito afectados porque as suas presas são alvo de pesca”, diz, sublinhando que os organismos que estão no topo das cadeias tróficas têm uma capacidade de reprodução bastante limitada. E exemplifica: “Um tubarão pode ter apenas uma, duas, três crias por geração. Sendo que alguns tubarões só conseguem reproduzir uma vez porque demoram bastante tempo a atingir a maturidade sexual, eles têm de viver 40 anos para chegar pela primeira vez a um evento reprodutivo. E com a pressão da pesca, a alteração dos ambientes marinhos e a poluição, começa a ser difícil”.

Infelizmente, a pesca não é a única mas apenas uma das ameaças, defende o cientista: “É muito difícil distinguir o efeito isolado de pressões. Não conseguimos saber o efeito da pesca só, e o efeito das alterações climáticas, e o da poluição. Eles aparecem todos juntos. Na nossa costa temos todos esses factores. O que se diz muitas vezes em artigos talvez um bocado apocalípticos é que estas sinergias de efeitos negativos poderão levar à extinção de algumas espécies”. Um apocalipse que, aliás, pode acontecer em breve. “Nos artigos que se publicavam sobre estes assuntos há duas ou três décadas nem se falava em prazos. Dizia-se apenas ‘atenção, estas espécies estão a diminuir’. Agora, há artigos que tentam projectar isso no tempo e que nos falam de desaparecimento e extinção em décadas, poucas décadas”.

Para Douglas McCauley, outro dos autores do estudo, as alterações climáticas poderão tornar-se no maior problemas de todos. “Se não fizermos nada em relação às alterações climáticas o fim desta história das extinções pode ser um pouco diferente. As alterações climáticas podem até tornar-se no maior responsável das extinções”, disse o investigador, da Universidade da Califórnia, ao PÚBLICO.

Possivelmente temos andado pouco atentos ao que se passa debaixo de água, concentrando as atenções no que temos em terra firme, mais próximo de nós. “Durante décadas ou séculos houve uma ideia de que o oceano é gigantesco e é impossível o homem ir a todos os lados no oceano e, por isso, ele estava a salvo. O que hoje temos cada vez mais evidência é que não é assim. Alguns ecossistemas são únicos, bastante limitados e frágeis. Uma pequena alteração, mesmo que seja remota, desse ambiente devido ao homem pode ter efeitos significativos, que começam agora a estar documentados e que desconhecíamos”, diz Henrique Cabral. Miguel Araújo acredita na “resiliência do sistema oceano”. Mas até a um certo ponto: “Quando se dão mudanças neste sistema, elas são bruscas e têm repercussões em todo o sistema terrestre e planetário.”

A real percepção do que está a acontecer nos oceanos está a vir ao de cima. Mas, falta a incontornável questão: ainda vamos a tempo de mudar alguma coisa? Jonathan Payne responde que sim. “Não podemos fazer muito para reverter as tendências do aquecimento dos oceanos e da acidificação, que são duas ameaças reais que têm de ser encaradas. Mas podemos mudar as ameaças relacionadas com a forma como caçamos e pescamos. As populações de peixes têm a capacidade de recuperar muito mais rapidamente que a química dos oceanos ou do clima. Com decisões de gestão apropriadas ao nível nacional e internacional, podemos dar a volta a isto relativamente rápido”. 

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