Mais um Inverno à porta e nada
Merkel já está a pagar o preço político pela sensibilidade demonstrada em relação aos refugiados.
Calais é uma gota no oceano de refugiados chegados à Europa nos últimos anos. E é por ser um microcosmos tão minúsculo que a paralisia europeia perante esta tragédia se torna tão evidente.
Fez agora um ano que o mundo se indignou com a fotografia do bebé sírio cujo corpo foi encontrado morto numa praia turca. A sua história é igual à de milhares. Ainda na Síria, a família fugiu da guerra durante meses, mudando repetidamente de cidade. Desesperados, foram para a Turquia. Não conseguindo passar para a Europa rica, regressaram à Síria. Com a guerra cada vez mais violenta, voltaram a fugir para a Turquia. Uma irmã enviou cinco mil dólares do Canadá. Com esse dinheiro, pagaram a um gangue de traficantes e embarcaram, noite cerrada, num pequeno barco de borracha que transportava o dobro dos passageiros previstos. Os traficantes deram-lhes coletes salva-vidas que, minutos depois, quando o barco se virou, revelaram-se inúteis. Ou eram falsos ou estavam estragados. Morreram quase todos os passageiros, incluindo o bebé da famosa fotografia, o irmão e a mãe. Nessa mesma noite, a metros de distância, naufragou outro barco também cheio de refugiados em fuga.
Desde essa noite de 2 de Setembro, morreram pelo menos 4176 pessoas afogadas no Mediterrâneo. Segundo as Nações Unidas, isso significa que morreram no “nosso mar” uma média de 11 homens, mulheres e crianças por dia nos últimos 12 meses.
Mas nada de substancial aconteceu e nada indica que vá acontecer em breve a não ser o aparecimento de mais um Inverno. Enquanto a população de Calais vai para a rua exigir a fixação de uma data definitiva para o desmantelamento do campo de refugiados que é hoje conhecido como “A Selva”, Angela Merkel reconhece que a derrota do seu partido no pequeno estado-federado de Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental, na antiga Alemanha de Leste, foi o preço que o seu partido pagou pela sua decisão de abrir as portas da Alemanha a milhares de refugiados parados numa estação de caminhos-de-ferro em Budapeste.
A CDU de Merkel ficou atrás da Alternativa para a Alemanha, um partido que nasceu há três anos para criticar os empréstimos aos países do euro em dificuldades, se transformou em partido anti-refugiados e tem agora entre 11% a 14% de intenções de voto a nível nacional.
A inacção europeia está não só a fazer arrastar o sofrimento de milhares de pessoas que fogem à guerra, como está a ajudar os populistas e os xenófobos a conquistar cada vez mais terreno político na Europa da democracia. Como na Pomerânia Ocidental ou em Calais, onde a Frente Nacional teve uma votação expressiva.
Impedir o acesso ao Eurotúnel do canal da Mancha vai obrigar o governo francês a reagir. Os sindicatos acenam com a ameaça de manter o bloqueio “por tempo indeterminado”. Mas como o muro de Donald Trump à volta do México não impedirá os mexicanos de entrarem nos EUA, nenhum protesto de Calais fará parar o fluxo de refugiados.