Castelo de Paiva valoriza ruínas de onde lhe vem o nome
Há uma ilha deserta, no rio Douro, cujo castelo deu o nome ao concelho de Castelo de Paiva. Também lhe chamam Ilha dos Amores por causa da lenda que narra o amor fatal entre um camponês e uma fidalga. Agora a câmara quer tornar a ilha visitável como museu de ruínas a céu aberto.
Chamam-lhe Ilha do Castelo, ou dos Amores, em alusão à lenda do amor fatal entre um lavrador e uma fidalga. Mas o que muitos não sabem é que o concelho onde se situa este pedaço de terra rodeado pelo rio Douro, se chama Castelo de Paiva por causa do castelo que, em tempos, ali existiu. E cujas ruínas assim como as da antiga Ermida de S. Pedro estão agora a céu aberto em resultado de escavações arqueológicas. A câmara quer torná-las visitáveis e potenciar turisticamente esta ilha deserta, com regras que evitem a degradação do espaço, no âmbito de um projeto global de cinco milhões de euros que tem para toda zona ribeirinha.
Gonçalo Rocha sempre gostou de política, mas, há quase duas décadas, quando pisou, pela primeira vez, a Ilha dos Amores, classificada como Imóvel de Interesse Público em 1977, “nem lhe passava pela cabeça” que um dia viria a ser presidente da câmara de Castelo de Paiva. E muito menos imaginaria que, por estes dias, nesse papel, estaria a desenvolver um projecto para a salvaguardar e potenciar turisticamente o local depois de a câmara o adquirir em 1994.
O autarca era então estudante de História na Faculdade de Letras e uma das três dezenas de voluntários que participavam nas primeiras escavações, levadas a cabo pelo arqueólogo António Lima, no âmbito das suas provas de mestrado em arqueologia que contaram com apoio municipal. Eram tantos os voluntários, e também muito o mantimento e equipamento a abarrotar no barco a remos que iam à vez a partir do Lugar do Castelo, freguesia de Fornos, para a Ilha dos Amores.
“Outros voluntários iam de caiaque ”, recorda António Lima, entusiasmado por voltar a pôr os pés na Ilha dos Amores, onde organizou “três campanhas arqueológicas anuais, de mês e meio, entre 97 e 99”. Também o presidente da câmara se orgulha de, juntamente com o arqueólogo e toda a equipa, “ter vivido um dos momentos que marca a história do concelho: a descoberta das ruínas do castelo que deu origem ao nome de Castelo de Paiva”.
Desvendar o enigma do nome do concelho
Tão cedo não se esquecerão disso e, ainda hoje, já na ilha, depois de uma rápida travessia num barco a motor, com salpicos de água doce e uma paradisíaca paisagem à volta, o arqueólogo António Lima deixa-se se tomar pela paixão que o local lhe suscita. Mais do que a lenda do amor fatal entre o lavrador e a fidalga, de que há muito tinha ouvido falar, quando avançou para as campanhas arqueológicas fascinava-o a hipótese de desvendar as razões por detrás do nome do concelho. Ainda mais quando, esclarece, “a sede de concelho é Sobrado e não Castelo”.
Mas isso é actualmente. “No século XI a sede das terras são os castelos e não sedes civis como agora”. Primeiro, havia que perceber onde, afinal, teria existido o tal castelo na ilha que, antes da construção da barragem de Crestuma - Lever, estava ligada à margem direita do rio Paiva. As águas do afluente desaguavam no Douro a jusante do Outeiro do Castelo, o nome original da ilha”. Durante algum tempo, sobretudo no Verão, era possível a travessia a seco e “até mesmo a utilização do areal como se de terra firme se tratasse”.
Que o diga Fernando Falcão, dono de um dos barcos a motor que faz a travessia para a ilha, e que “já por lá foi muito feliz”. Recorda-se bem dos tempos em que era possível “colocar umas tábuas em cima do areal com água para atravessar de moto a margem para a ilha por causa das moças. Bons tempos!”, diz entre risos. Com o surgimento da barragem teve de abandonar a pesca da tainha e da lampreia para se tornar “comandante” do barco e ganhar uns euros com as viagens. Nelas leva os turistas até à ilha e depois numa viagem pelo rio acima para observar a natureza e uma queda de água por ali escondida. “Eles gostam muito e já chegam aqui a procurar pelo Falcão.”
Ruínas do castelo e da Ermida de S. Pedro
Terminadas as escavações arqueológicas, diz o arqueólogo, “os dois grandes núcleos de ruínas visitáveis são as ruínas daquilo que foi o castelo e da Ermida de S. Pedro”. No ponto mais alto da ilha acrescenta, são visíveis as marcas de uma torre defensiva medieval - que teria oito por quatro metros - com o respectivo acesso por escadaria talhada na pedra assim como por outra de madeira. Enquanto, por entre risos, desafia a subir o sinuoso penedo ali existente para melhor se observar o local, esclarece que “as paredes dessa torre defensiva desapareceram e restaram os negativos dos alicerces das paredes talhadas nesta mesma rocha”. De um dos lados da ilha, nota, os restos da muralha são parcialmente visíveis.
“Tudo isto que vemos é datável de finais do século XII”; o que também inclui, aponta, as ruínas da Ermida de S. Pedro igualmente descobertas. “Achei uma das cavilhas de fixar a porta da capela, na terra junto à soleira”, acrescenta, entusiasmado o presidente da câmara. Aqui a equipa encontrou dois muros visíveis a olho nu que suportariam socalcos agrícolas. Durante as escavações do interior da Ermida, ainda acharam fragmentos de uma peça de cerâmica importada de Sevilha, do século XVI, que, entretanto, foi reconstruída e está pronta para ser exposta.
O arqueólogo encontrou um documento nos arquivos nacionais da Torre do Tombo, em Lisboa, que refere o momento em que D. João I, corria o século XV, doou a ilha a um nobre. “Chama-lhe ermo, o que significa que não era habitada e refere a existência da tal Ermida de S. Pedro.”
O amor fatal entre lavrador e fidalga
Daqui é possível observar três concelhos: Castelo de Paiva, Marco de Canavezes e Cinfães.Os moradores não se cansam de ouvir contar a lenda que garantem ter baptizado este local deserto, banhado por água, na confluência do rio Paiva com o Douro, apetecível à prática de desportos náuticos e acampamentos – que autarquia quer proibir . E até há quem ali tenha celebrado o casamento precisamente por se chamar Ilha dos Amores.
Reza a lenda que um lavrador e uma fidalga se perderam de amores e que essa paixão acabou por lhes ser fatal. Conta-se, diz o vereador cultura da autarquia, José Manuel Carvalho, que um nobre apareceu na região e pediu a mão da fidalga. O jovem lavrador ficou tão perdido com a possibilidade de perder a amada que o matou e atirou ao rio Douro. “Com medo do que lhe poderia acontecer por ter cometido um crime, fugiu para a ilha para não ser apanhado”, continua. Só que o amor que nutria pela jovem era tão forte que foi a terra pedir-lhe para ela viver com ele na ilha. “Quando atravessavam numa pequena embarcação, formou-se uma tempestade e o rio colheu-os, acabando ambos por morrer”. Reza a lenda, prossegue, que “se tratou de vingança do nobre que colheu os dois para junto de si no rio Douro”.
O presidente da câmara de Castelo de Paiva, escuta-o, anui com cabeça e acrescenta que a ilha é, sem sombra de dúvida, “a única que existe em todo o rio Douro e um dos postais mais bonitos do concelho e da região”. Gonçalo Rocha quer apostar na sua divulgação turística. Por estes dias, anda a pensar em formas de o fazer sem permitir “o acesso massivo” de modo a salvaguardá-la e proteger as ruínas ali achadas e toda a natureza envolvente. “Queremos criar um circuito de visita de forma estruturada para evitar uma invasão de turistas para que não se destrua o que tem de belo”, defende o vereador da cultura.
Por isso mesmo, em cima da mesa está a possibilidade de a autarquia controlar as entradas na ilha, cujo acesso só é possível de barco e deverá ser concessionado a empresas. O valor dos bilhetes reverterá a favor da manutenção do local ou das futuras escavações arqueológicas que já estão previstas para pôr a céu aberto as muralhas da torre descoberta. “A ilha é pequena”, reitera o presidente da câmara, prometendo instalar painéis informativos sobre a ilha e as ruínas descobertas. Garantidamente, no local não haverá construções, porque, explica José Manuel Carvalho, “o solo está classificado como interesse especial para o Douro”.
Cinco milhões para valorização da zona ribeirinha
A Câmara Municipal de Castelo de Paiva vai investir cinco milhões de euros em projectos de valorização territorial das zonas ribeirinhas do concelho, para potenciar a atracção turística à região. Entre os projectos está a aposta na Ilha dos Amores, “mas evitando uma visitação massiva”, garante o vereador cultura, José Manuel Carvalho.
A estratégia de desenvolvimento das frentes ribeirinhas inclui várias intervenções, todas elas interligadas, como “Viver o Paiva - Douro” que consiste na criação de um conjunto de percursos naturais, com cerca de 14 quilómetros, para ligar a Foz do Arda à Foz do rio Paiva, ao longo do rio Douro, na frente do território de Castelo de Paiva. E inclui ainda a requalificação de todos os cais, nomeadamente de Midões, Castelo e Choupal, em Pedorido. Está também previsto um outro circuito pedestre, em parceria com o município de Cinfães, ao longo da margem do rio que vai ligar os cais de Castelo (Castelo de Paiva) e de Escamarão (Cinfães). “E a que chamaremos circuito dos namorados por associação à Ilha dos Amores”, refere o autarca.
Em cima da mesa estão também projectos em parceria com a Administração dos Portos do Douro e Leixões (APDL) para a requalificação do cais do Castelo, criando todas as condições para os barcos e cruzeiros, que fazem a subida do rio, ali acostarem. Os trabalhos incluem ainda a requalificação de toda a envolvente e licenciamento da praia fluvial com vista para a Ilha dos Amores. Já ali funciona a piscina, balneários de apoio e um café-restaurante. José Manuel Carvalho adianta ainda que o município vai insistir na valorização da marca Castelo de Paiva com a publicação de um livro sobre os estudos arqueológicos realizados na ilha e outras escavações arqueológicas que estão previstas “para trazer à vista a muralha do castelo e desvendar, assim, o seu enigma”, conclui.