Corrupção: quem dá mais?

Já em 2012 o presidente do Supremo Tribunal de Justiça alertava para as disfuncionalidades no combate ao crime de colarinho branco

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O combate à corrupção é moroso e apresenta resultados abaixo do recomendável Adriano Miranda

Como tema central que tem sido nos últimos anos na justiça portuguesa, a corrupção deverá ser, uma vez mais, um dos temas abordados na cerimónia solene de abertura do ano judicial. Mas há, neste momento, vozes que se levantam contra o protagonismo que assumem e a repulsa que suscitam este tipo de crimes na sociedade portuguesa – e que pode mesmo ser, segundo o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, contraproducente.

“Há algo que não está bem numa sociedade que chega ao ponto de censurar mais os crimes de colarinho branco do que os crimes de sangue”, observa o presidente do conselho regional de Lisboa da Ordem dos Advogados, António Jaime Martins, para quem a justiça portuguesa “está a ser pressionada como nunca para apresentar resultados” – o que a leva a “procurar obter meios de prova de toda a maneira e feitio”, mesmo em detrimento dos direitos fundamentais dos arguidos num Estado de direito.

Já em 2012 o hoje presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Henriques Gaspar, se mostrava preocupado com as ligações entre o fenómeno da mediatização da justiça no que respeita ao combate à corrupção – uma guerra que, apesar de ser popular, tem apresentado, no entender do magistrado, fracos resultados para tão grandes investimentos, não só em Portugal como noutros países. “O combate à corrupção tem estado por demais condicionado por impulsos voluntaristas, determinados pelos estímulos exteriores, pela encenação dramatizada nos media, com generalizações associadas às dinâmicas de certos acontecimentos marcados com o selo do escândalo”, criticava então o magistrado, num debate promovido pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal na Gulbenkian. 

“Fica a sensação que a ‘metáfora da corrupção’ tem sido o objecto e o programa de uma espécie de concurso de demagogias, com reacções verbais proclamatórias, excessivas e ruidosas, por vezes em afagamento das boas consciências, sobretudo políticas”, dizia. Resultado? “O engarrafamento de iniciativas e a perda de sentido das prioridades e da eficácia” no combate ao fenómeno. Mas a nível internacional o panorama não é diferente: “Temos assistido a uma sucessão de convenções, a uma acumulação desordenada de tratados, num concurso de modelos ou numa espécie de leilão, tentando ultrapassar-se umas às outras pela inflacção de exigências, que fazem desviar do essencial”. O presidente do Supremo Tribunal de Justiça falou mesmo das armadilhas em que pode cair a justiça quando tenta demonstrar aquilo que a comunicação social já decretou: que determinada pessoa é culpada.

Para Henriques Gaspar, o combate à corrupção não é tarefa exclusiva de juízes, procuradores e inspectores da Judiciária. Deve começar nas escolas, com a formação dos alunos, e prosseguir, ainda de forma preventiva, através de medidas que limitem ao máximo esse tipo de riscos nas instituições – reduzindo ao máximo as situações em que é permitido aos gestores públicos tomar decisões discricionárias. É preciso, por exemplo, dar particular atenção à construção de novos modelos de parcerias público-privadas, “onde pode residir alguma ambiguidade quanto ao limite do interesse público”, defendeu.

À pequena corrupção tantas vezes perseguida pela justiça com um “pesado arsenal processual penal que não será o mais adequado”, este antigo procurador contrapunha as dificuldades de investigação da circulação virtual de capitais, “por praças bancárias sem regras, sem regulações e com ocultação dos titulares” do dinheiro. “O poder financeiro e associados impõem a sua força; os off-shores restam o grande tabu, revelando a incapacidade dramaticamente comprovada da política para conter a avidez e o cinismo dominador da finança”, concluía. 

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