Ultrapassada a destituição, Temer e PT iniciam novo ciclo político

Imprensa diz que Lula da Silva planeia a formação de uma frente unida de esquerda, a pensar em 2018. Ex-Presidente apresentou recurso no Supremo a pedir anulação da votação do Senado

Funcionário limpa vestígios das manifestações junto ao palácio presidencial
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Funcionário limpa vestígios das manifestações junto ao palácio presidencial Evaristo Sa/AFP
Sete pessoas ficaram feridas em confrontos durante manifestações em São Paulo
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Sete pessoas ficaram feridas em confrontos durante manifestações em São Paulo Nacho Doce/Reuters
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Dilma Rousseff, que tem alguns dias para deixar o Alvorada, manteve a rotina do passeio de bicicleta na manhã desta quinta-feira Evaristo Sa/AFP

Houve manifestações – de repúdio, mas também de apoio – à destituição de Dilma Rousseff, que em São Paulo degeneraram em confrontos com a polícia, mas o Brasil acordou nesta quinta-feira em ambiente de pós-impeachment: depois de prometer “recolocar o país nos trilhos”, o agora Presidente Michel Temer partiu para a cimeira do G20 na China e o Partido dos Trabalhadores (PT) começou a discutir o seu rumo na oposição.

“O meu único interesse é entregar ao meu sucessor um país pacificado, reconciliado e em ritmo de crescimento económico”, disse Temer, numa declaração ao país difundida pouco depois de assumir de forma definitiva a presidência, que ocupava de forma interina desde Maio, quando Rousseff foi suspensa de funções.

Confirmada a destituição pelo Senado da primeira mulher a ser eleita para a presidência do Brasil, o dirigente do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) deu de novo a entender que não será candidato às presidenciais de 2018 e afirmou que não recuará nas reformas a que se comprometeu – uma receita que mistura cortes na despesa e mexidas na Segurança Social e nas leis do trabalho, que prometem agravar a contestação social e incomodar os agora aliados. Com a economia em queda acelerada, as investigações da Lava-Jacto ainda longe do fim e o desemprego a tocar os 12%, Temer reconheceu (como reconhecem todos os analistas) que não terá tarefa fácil nos dois anos de mandato que lhe restam, mas disse que o objectivo do seu Governo é “sair sob os aplausos dos brasileiros”.

Propósitos celebrados pelos mesmos que, desde a reeleição de Dilma Rousseff, em 2014, não cessaram de pedir a sua destituição nas ruas. O jornal Folha de São Paulo deu conta de festejos, com buzinões e fogo-de-artifício, nos bairros mais caros da grande metrópole, em várias cidades do interior do estado e numa dezena de capitais estaduais.

Mas o início da noite foi também de protestos contra o “golpe de Estado” denunciado por Dilma Rousseff. No Rio de Janeiro, cerca de 500 pessoas saíram à rua com panelas e tachos para contestar ruidosamente contra o novo Presidente. Foram mais os manifestantes – cerca de mil – os que saíram à rua em Brasília em apoio a Dilma Rousseff, numa acção que terminou com a detenção de três pessoas após uma escaramuça com a polícia. Em São Paulo, os protestos começaram de forma pacífica, mas a polícia acabou por intervir depois de grupos de manifestantes mascarados terem apedrejado agentes, provocado pequenos incêndios e vandalizado lojas e até a sede do jornal paulista. Sete pessoas sofreram ferimentos ligeiros.

Com o capítulo da destituição quase encerrado (a ex-Presidente ainda não deixou o Palácio da Alvorada e entregou nesta quinta-feira no Supremo Tribunal a prometida acção em que pede a anulação da sessão do Congresso que aprovou o impeachment), a imprensa já dá conta de movimentações no PT para responder à nova realidade política. O jornal Globo escreve que a ala mais à esquerda defende uma mudança imediata das figuras dirigentes, que permita traçar uma linha de separação com os escândalos de corrupção que atingiram as principais figuras da cúpula e mobilizar o partido. Mas o grupo é minoritário e confronta-se com a falta de alternativas – o nome do ex-ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que assumiu a defesa da ex-Presidente no Senado, é um dos apontados, mas ao jornal explicou que não pretende continuar na vida política.

A Folha adianta que Lula da Silva está já em contactos com partidos aliados, caso do Partido Democrático Trabalhista (PDT) e do PCdoB (comunista), para a formação de uma frente de esquerda que, unida aos sindicatos, associações e intelectuais, encabece oposição a Temer e comece a preparar uma candidatura única às presidenciais. O diário adianta que o antigo Presidente está mesmo disposto a que o candidato comum em 2018 saia das fileiras de um dos aliados. 

Na China, onde esperava assinar 11 contratos, Temer enfrenta já a sua primeira crise diplomática, depois de a Venezuela, Equador e Bolívia terem chamado os seus embaixadores em Brasília em protesto contra a destituição, criticada também por Cuba e El Salvador. “Isto não foi um golpe de Estado apenas contra Dilma. Foi contra a América Latina e o Caribe”, acusou o Presidente venezuelano, Nicolas Maduro, cabeça da esquerda bolivariana que nos últimos 13 anos manteve relações estreitas com Brasília. Maduro acusou os EUA de estarem por trás deste “ataque contra o movimento popular e progressista na América Latina”, antes de anunciar o corte de relações diplomáticas com o país vizinho.  

O governo brasileiro reagiu aos protestos chamando os seus embaixadores naqueles países e o chefe da diplomacia, José Serra, respondeu às críticas dizendo que “o Governo venezuelano não tem autoridade moral para falar de democracia, uma vez que não é um regime democrático”, voltando a acusar Caracas de manter presos políticos.

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