Demissões no IEFP já motivaram dez processos judiciais contra o Estado

Dirigentes afastados pelo Governo exigem em tribunal que a exoneração seja anulada. Desfecho só deverá ser conhecido no próximo ano.

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Desde que tomou posse até Maio Governo substitui perto de 120 dirigentes do IEFP Rita Franca/Arquivo

A vaga de demissões de dirigentes do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), promovida pelo Governo pouco tempo depois de tomar posse, já motivou pelo menos dez processos judiciais contra o Estado. Os queixosos, que tinham sido nomeados pelo anterior executivo PSD/CDS, exigem que a exoneração seja anulada e que os lugares lhes sejam devolvidos. Caso o tribunal não aceda ao pedido, entendem que devem ser indemnizados e compensados por danos morais.

Desde que tomou posse e até Maio deste ano, o Governo de António Costa substitui perto de 120 dirigentes do IEFP. Entre eles contam-se o conselho directivo do instituto, todos os delegados e subdelegados regionais e vários dirigentes de centros de emprego. As exonerações, publicadas em Diário da República, foram justificadas pelo Ministério do Trabalho e da Segurança Social, tutelado por Vieira da Silva, com a necessidade de imprimir "uma nova orientação à gestão".

Um levantamento feito pelo PÚBLICO nos tribunais administrativos e fiscais do país revelou que existem, neste momento, pelo menos dez processos a correr contra o Estado por causa destas demissões. As acções judiciais foram interpostas em Lisboa, Porto, Loulé, Aveiro, Coimbra e Leiria, em função do local onde os dirigentes exerciam funções. A análise mostra, no entanto, que apenas uma minoria dos dirigentes do IEFP afastados avançou com acções para contestar a decisão do executivo.

Entre os dez processos detectados pelo PÚBLICO, contam-se alguns movidos por dirigentes que tinham sido escolhidos para o cargo na sequência de concursos levados a cabo pela Comissão de Recrutamento para a Administração Pública (Cresap), a entidade responsável por seleccionar candidatos a altos responsáveis do Estado e que envia a lista com os três finalistas ao Governo, a quem cabe escolher um. É o caso de Carlos Baía, nomeado em Janeiro de 2015 delegado regional do Algarve, que é quadro do IEFP desde 1995 e já estava no cargo em regime de substituição desde 2012. Ou de Pedro Amaro, que assumia a direcção da delegação regional do Centro do IEFP desde o início de 2015. César Ferreira, que ocupava o cargo de delegado regional do Norte do instituto por escolha do anterior Governo após concurso da Cresap, também moveu um processo contra o Estado.

João Sarmento, nomeado como subdelegado regional do Norte na mesma altura, é autor de outro processo, assim como José Pimenta, que assumia funções semelhantes no Centro, cargo para o qual foi nomeado pelo anterior Governo de Passos Coelho também na sequência de um concurso.

No levantamento feito pelo PÚBLICO surgem ainda três processos movidos por directores de centros de emprego. Nesse grupo estão Luís Paula, que era responsável pelo centro da Guarda; Álvaro Amorim, director do Centro de Emprego de Póvoa de Varzim; ou João Neves, que dirigia desde o início de Abril do ano passado o Centro de Emprego de Faro.

A lista inclui ainda as acções movidas por Francisco d'Aguiar, que foi membro do conselho directivo do IEFP entre 2012 e 2015 e que entretanto assumiu a direcção de recursos humanos da Caixa Gestão de Activos, e por Maria de Fátima Pires, que liderava a Direcção de Serviços de Planeamento, Gestão e Controlo da Delegação Regional do Alentejo.

Acusações de despedimento ilícito

Oito destes processos estão a ser acompanhados por Nuno Cerejeira Namora e Eduardo Castro Marques, do escritório de advogados Nuno Cerejeira Namora, Pedro Marinho Falcão & Associados. Os fundamentos das acções assentam no argumento de que parte destes dirigentes passaram por um processo de selecção considerado independente, por via dos concursos da Cresap, e de que a justificação apresentada pelo ministério para avançar com as exonerações é "ilegal", explicou o advogado Eduardo Castro Marques. Além disso, alega-se que os visados nunca foram confrontados com a necessidade de imprimir nova orientação à gestão dos serviços, nem tão pouco chamados a mostrar capacidade para concretizar esse objectivo. Nos processos, invoca-se que o executivo procedeu a despedimentos colectivos ilícitos no IEFP.

De acordo com Eduardo Castro Marques, os dirigentes exigem que o acto que levou ao seu afastamento "seja declarado nulo", uma vez que as funções que exerciam "não eram políticas, mas sim técnicas", não podendo, por isso, fazer-se cessar desta forma as comissões de serviço. E, para o advogado, a decisão do Governo com base na necessidade de imprimir uma nova orientação à gestão nada mais foi do que "um pretexto para fazer um saneamento político", tendo havido casos em que "a pressa foi de tal forma que as pessoas foram convocadas [para lhes ser comunicada a exoneração] às 23h ou nem sequer houve audiência prévia".

Em simultâneo com o pedido de anulação do acto administrativo, estes dirigentes exigem ser "colocados no lugar que lhes foi retirado", acrescentou, lembrando que, dos queixosos que a sociedade representa, sete estão a "litigar judicialmente contra a entidade empregadora, uma vez que permanecem no IEFP". Apesar de constar nas acções, o pagamento de uma indemnização pelo afastamento de funções é um pedido que não assume a mesma relevância, até porque o seu deferimento por parte de um juiz atestaria a validade das exonerações. Também há casos em que são exigidas compensações por danos morais.

Segundo Eduardo Castro Marques, o Estado já contestou as alegações em todos os processos, tendo também já dado entrada nova investida destes oito dirigentes. Para que haja um desfecho destes processos, conta -se que seja preciso "pelo menos um ano", estimou o advogado.

A vaga de demissões no IEFP foi a mais estrondosa, mas o ministério de Vieira da Silva substituiu também dirigentes de outras áreas que tutela, nomeadamente do Instituto de Segurança Social (ISS). A presidente deste instituto, assim como a restante equipa, tinha sido nomeada em 2015, também após concurso da Cresap. Dirigentes de outros cargos dependentes do ISS, nomeadamente dos centros distritais, também foram substituídos. Na pesquisa feita pelo PÚBLICO, surge um processo movido pela ex-directora da Segurança Social do Centro Distrital de Faro, mas não é o único caso de litigância contra o Estado por causa de demissões promovidas pelo executivo de António Costa.

Afastamentos polémicos

O IEFP não é o único caso em que as exonerações feitas pelo Governo têm resultado em contestação nos tribunais. No Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé corre um processo movido por Ofélia Ramos, que foi exonerada pelo actual executivo em Março deste ano do cargo de directora da Segurança Social do Centro Distrital de Faro. Entretanto, segundo um despacho publicado em Diário da República, foi recentemente nomeada em regime de substituição para chefe de divisão de assessoria jurídica da Câmara Municipal da mesma cidade.

As nomeações para as direcções dos centros distritais do Instituto de Segurança Social feitas pelo Governo de Passos Coelho estiveram envolvidas em acesa polémica. Todas as escolhas recaíram, sem excepção, sobre dirigentes com ligações ou ao PSD ou ao CDS. Os mesmos partidos que criticaram depois ferozmente as mudanças feitas pelo ministério de Vieira da Silva.

Mas as acções contra o Estado por causa de exonerações promovidas pelo executivo de António Costa vão além do Ministério do Trabalho e da Segurança Social. É conhecido pelo menos um caso de um ex-dirigente público que avançou com um processo nos tribunais para contestar o seu afastamento. Trata-se de Rui Vinhas da Silva, que foi até Maio presidente do Compete, o programa operacional que gere fundos comunitários de mais de 6000 milhões de euros destinados às empresas.

O gestor, que tinha sido nomeado para o cargo no início de 2015, soube pelos jornais que iria ser substituído e, para já, moveu duas acções (uma contra o Conselho de Ministros e outra contra o ministro da Economia, Manuel Caldeira Cabral, que tutela o organismo), em que exige ter acesso ao seu despacho de exoneração. É que, apesar de ter sido substituído em poucos dias e de a legislação prever que seja formalmente afastado, nunca recebeu um documento nesse sentido. Caso veja o seu pedido satisfeito, a intenção é avançar com uma acção para anular a decisão é ser ressarcido financeiramente.

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