José Eduardo dos Santos diz que Angola não precisa de “falsos empresários”
No congresso do MPLA, o Presidente pediu apoio para os que têm “provas dadas”. Dois dos seus filhos dão entrada no Comité Central. Nada deve transparecer sobre a passagem do poder.
De camisa vermelha, as cores do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), José Eduardo dos Santos abriu esta quarta-feira o VII Congresso do partido com um discurso de pouco mais de 30 minutos onde enviou um recado aos “falsos empresários”, de quem Angola “não precisa” pois “só contribuem para a sua dependência económica e política de círculos externos”.
O Presidente de Angola há 37 anos disse: “Não devemos confundir os empresários com os supostos empresários que constituem ilicitamente as suas riquezas, recebendo comissões a troco de serviços que prestam ilegalmente a empresários estrangeiros desonestos, ou que façam essas fortunas à custa de bens desviados do Estado ou mesmo roubados". “Há que apoiar mais os empresários com provas dadas”, afirmou.
José Eduardo dos Santos, que em Março anunciou a sua saída em 2018 e não esclareceu se se candidata nas eleições gerais em 2017, disse que o partido está em condições para continuar no poder. “Não devemos permitir que as nossas diferenças políticas sejam aproveitadas por forças externas para dividir e pôr em causa a paz duramente conquistada. Temos de ser capazes de prevenir eventuais acções subversivas, para manter a nossa soberania, a paz e a estabilidade, reforçar a nossa democracia e trabalhando no sentido de fazer prosperar a nação angolana”.
Disse ainda que o MPLA está preparado para “ganhar as próximas eleições”, e que os “erros” de gestão devem ser “corrigidos”.
Sem oposição
Não se esperam surpresas neste congresso que termina sábado de manhã — o Presidente será confirmado como líder, e apesar de ser natural que se venha a recandidatar à presidência da República, isso ainda não está totalmente esclarecido. Nem é obrigatório, segundo disse ao PÚBLICO João Melo, deputado do MPLA. E não será neste congresso que deverá ser desvendado, calcula.
Os analistas questionaram se surgirá alguma pista sobre a transição do poder — como se fará, a quem entregará José Eduardo dos Santos a presidência angolana se cumprir o prometido e abandonar a política activa em 2018, caso seja reeleito no ano que vem?
Como esperado, o chefe de Estado chegou ao Congresso sem opositor. A lista para o Comité Central (encabeçada por si) é única — é esta lista que trás as maiores novidades. Dois filhos do Presidente passam a integrar este órgão. José Filomeno dos Santos (conhecido por "Zénu" e presidente do Fundo Soberano de Angola, que gere cinco mil milhões de dólares e tem como missão rentabilizar dinheiro do petróleo e pensar no futuro do país), foi proposto pela juventude partidária e é agora apontado como possível sucessor do pai. Entra também uma das suas filhas, Welwistchea "Tchizé" dos Santos, proposta pela Organização da Mulher Angolana.
O Comité é alargado de 331 membros para 363 para que exista uma renovação geracional nos órgãos do partido, diz a explicação oficial.
À outra filha, Isabel dos Santos — uma das mulheres mais ricas de África —, o chefe de Estado entregou em Junho as rédeas da companhia estatal petrolífera, Sonangol, anteriormente dirigida por Manuel Vicente, o actual vice-presidente.
Corrupção e mandatos presidenciais
João Melo, deputado do MPLA e delegado do congresso, analisou o discurso do Presidente: “Foi atento aos problemas concretos que a população enfrenta”, considerou, ao abordar as questões da saúde pública, como a febre amarela, e do lixo. Trouxe duas grandes novidades, relativas a questões internas e externas: “Abordou de forma inédita a questão da corrupção”, disse João Melo. “Pela primeira vez sublinhou a necessidade de diferenciar os empresários que actuam de maneira lícita, e esses o Estado deve apoiar, e os que actuam de forma ilícita. Interpreto essa nota como espécie de marco zero: chegou a hora de começar a separar o trigo do joio e os cidadãos e as instâncias têm que ser rigorosos em relação a determinadas práticas”. A outra inovação tem a ver com a situação em África: segundo João Melo, “o Presidente mencionou pela primeira vez o prolongamento dos mandatos presidenciais à margem das constituições”. Isto porque “à luz da Constituição angolana ainda tem legitimidade para concorrer a mais um mandato”.
Já Marcolino Moco, ex-primeiro ministro entre 1992 e 1996, que nunca se despediu formalmente do MPLA mas diz ter sido afastado pelo Presidente, considera, em declarações ao PÚBLICO, que este discurso teve uma novidade: ser "ridículo de maneira tão descarada”. Isto porque “fala de empresários que enriquecem ilicitamente quando os empresários que vivem em Angola são os seus próprios filhos e uns quantos generais que trabalham com ele. Não sobra mais nada.” Moco sublinha que “o Presidente começa a introduzir os seus próprios filhos na direcção do partido, uma rampa de lançamento para a sua substituição daqui a dez anos.”
Mas este congresso ficará marcado pelo “acto de coragem” de Ambrósio Lukoki, o actual embaixador de Angola na República da Tanzânia, que se recusou a integrar o Comité Central do qual fazia parte com argumento de que “o MPLA se distancia cada vez mais do povo, e que está impopular porque o eleitorado deixou-se amarrar a um homem impopular”. Nunca antes alguém “dentro da direcção do MPLA criticou o Presidente”, diz Moco. “Se isso vai dar alguma coisa… duvido.”
Um "discurso vazio"
Para Miguel Francisco, que esteve quase 40 anos no MPLA e saiu em 2012, integrando o partido da oposição CASA-CE, este discurso foi vazio de conteúdo. O advogado dos 17 activistas que foram ilibados das penas de prisão ao abrigo de uma lei de amnistia, comentou ao PÚBLICO que “foi um discurso vazio, sem conteúdo, com nada de novo”. E pergunta quem são os empresários que retiram lucros ilicitamente da economia angolana. “Porque a maior parte do poder económico está nas mãos de meia dúzia de pessoas, que até são governantes. Ele tem que dizer de forma clara quem são estas pessoas.”
Miguel Francisco ficou ainda surpreendido com a referência a um apoio “às forças de segurança para combater pseudo-revoluções”. “O que é que ele quer dizer com isso?”, questionou. “Está a falar dos 15+2”, ou seja os activistas?
Comissário Nacional de Eleições por indicação do partido CASA, Miguel Francisco diz que a CNE está “a levantar dúvidas” sobre a legitimidade de quem deve levar a cabo o processo de registo eleitoral presencial, se a CNE ou o Ministério da Administração do Território (que o está a fazer neste momento).
As votações do congresso do MPLA ocorrem na manhã de sábado, seguindo-se o encerramento dos trabalhos que reúnem em Luanda cerca de 2600 delegados.