Telma Monteiro e a maior lição: aprender a cair e levantar-se
Passaram 16 anos desde que a medalhada portuguesa no Rio de Janeiro começou a praticar judo em tapetes gastos e rasgados.
“Eu vim para ficar”, foi o grito várias vezes repetido que saiu da boca de Telma Monteiro após derrotar a francesa Automne Pavia no tapete do Arena Carioca 2, no Rio de Janeiro. Nunca Telma tinha chegado tão longe e nunca a medalha olímpica tinha estado tão perto. Estava à distância de um combate, que pode ser quatro minutos, menos se houver ippon, mais se for decidido com um “ponto de ouro”. Estava perto de se concluir um ciclo que, na verdade, foram quatro ciclos, tantos quantos os Jogos Olímpicos que Telma levou para chegar à medalha. Na hora da decisão, com um joelho enfaixado, um ombro com uma luxação, passaram quatro minutos e Telma Monteiro conseguiu a sua redenção olímpica. Foram 12 anos à espera disto.
A primeira coisa que qualquer criança aprende quando começa a fazer judo é a cair. No judo vai-se muitas vezes ao chão e os mestres ensinam as melhores formas para se sair ileso de uma queda e levantar-se. É um óbvio (e bom) ponto de partida para falar de Telma Monteiro e do seu percurso no judo. Já não era uma criança pequena quando começou – tinha 14 anos – e não aprendeu as coisas de forma progressiva. Foi, como a própria escreveu num livro lançado no mês passado, “Na Vida com Garra” (Manuscrito, 2016), “em bruto”, fazendo uma analogia com outro tipo de aprendizagem que também se faz quando se é criança: “Não aprendi o abecedário, ou as sílabas, ensinaram-me logo a escrever.”
Quatro anos depois já tinha conquistado a sua primeira medalha em grandes campeonatos – bronze nos Europeus de 2004 – e já estava a combater nos Jogos Olímpicos, em Atenas. Sinal de que Telma aprendeu depressa. Nascida em Lisboa a 27 de Dezembro de 1985, Telma Alexandra Pinto Monteiro foi a terceira de quatro irmãos (três raparigas e um rapaz) e vivia num bairro social no Monte da Caparica, em Almada, um bairro “com assaltos a carros, corridas a alta velocidade nas ruas, perseguições policiais, rusgas, droga”. Teve algumas amigas, conta, que não fizeram as melhores escolhas na vida e que foram presas, mas, para Telma, viver ali foi uma oportunidade de liberdade, com “montes de espaço para descobrir” e brincadeiras, algumas arriscadas.
Tinha uma tendência natural para o desporto, gostava de basquetebol e admirava Michael Jordan, o melhor basquetebolista de todos os tempos. Praticou ainda natação, futebol, e o judo apareceu aos 14 anos, por influência de uma das irmãs mais velhas, e o seu primeiro dojo foi num espaço pequeno no centro paroquial do bairro onde vivia, com “tapetes gastos, alguns rasgados”, “uma corda para subir” e “uma barra para fazer elevações”. Também não tinha dinheiro para comprar os cinturões, eram todos emprestados e não guarda nenhum desses tempos de aprendizagem rápida. Em breve só iria precisar de um, o cinturão preto.
Dessa pequena aula de judo no bairro, Telma mudou-se para o Construções Norte/Sul, um clube que já tinha outras condições – mais tarde, em 2008, Telma juntou-se ao Benfica. Os primeiros passos estavam dados, Telma aprendeu depressa e começou a ganhar títulos. O primeiro de cinco títulos de campeã europeia aconteceu em 2006 e, antes disso, em 2005, já tinha tido bronze, num Mundial – nesta competição, entre 2007 e 2014, foi cinco vezes vice-campeã.
Mas nem todo o seu currículo lhe valia na hora de pisar o palco olímpico e, aqui, as quedas foram muitas. Atenas soube a aprendizagem, Pequim e Londres souberam a frustração e foram quedas das quais Telma teve de se levantar. “Teve de ser, tinha de dar”, foi um dos desabafos que a trintona Telma soltou após derrotar a romena Corina Caprioriu, seis meses depois da lesão no joelho esquerdo que lhe comprometia o sonho, 16 anos depois de ter começado a praticar judo e 12 anos depois de ter estado nos Jogos pela primeira vez. Soube cair e levantou-se na altura certa.