Síria anuncia saída dos primeiros civis das zonas cercadas de Alepo
Regime diz que 169 pessoas atravessaram linha da frente e foram levadas para centros de abrigo temporário. Mas muitos temem ser detidos ou alvejados
O regime sírio anunciou que dezenas de famílias deixaram neste sábado os bairros controlados pela rebelião no Leste de Alepo, usando os corredores que aceitou abrir para a saída de civis após ter fechado o cerco à zona – uma iniciativa patrocinada pela Rússia, mas que não sossega os mais de 300 mil residentes.
A televisão estatal síria divulgou imagens de dezenas de pessoas, na maioria mulheres, a serem encaminhadas para autocarros, anunciando que seriam levados para centros de abrigo temporários criados pelo Governo e com capacidade para acolher três mil residentes. A agência estatal Sana disse que ao todo foram 169 os civis que chegaram aos bairros controlados pelo Exército “através do posto de controlo no bairro de Saladino”. Pouco depois, o número foi repetido pelo Ministério da Defesa russo, acrescentando que à zona chegaram também 69 rebeldes que aceitaram depor as armas.
A televisão mostrou algumas das mulheres a contar como a vida se tornou impossível nas zonas controladas “pelos terroristas”, mas não foram divulgadas imagens da travessia entre os dois lados da cidade, dividida a meio desde 2012 – a Leste a rebelião, a Oeste as forças leais ao regime de Bashar al-Assad. O Observatório Sírio dos Direitos Humanos, que na véspera revelou que os combatentes tinham impedido os habitantes de se aproximarem dos locais de passagem, disse apenas que “um número de civis” tinha cruzado a linha divisória, mas não adiantou números.
A abertura de corredores foi anunciada quinta-feira pela Rússia, numa altura em que a situação humanitária nas zonas cercadas se agrava – já pouco resta dos hospitais ainda em funcionamento, só já há comida para mais algumas semanas e a aviação síria mantém a zona sob fogo. A ONU saudou a iniciativa, mas disse que para ser credível deveria ser acompanhada de um cessar-fogo e gerida pelas organizações internacionais. Os rebeldes acusam Damasco e Moscovo de cinismo, dizendo que estão a usar a fome para forçar o êxodo da população e a rendição dos combatentes, uma táctica já usada com sucesso em Homs.
Vários residentes contactados pelas agências internacionais admitem que gostariam de deixar a zona – até porque temem uma ofensiva do Exército – mas receiam que, sem supervisão internacional, possam ser detidos quando chegarem ao outro lado. “Tenho medo que levem o meu filho de 17 anos e o recrutem para o serviço militar e o obriguem a ir para a frente”, contou à AFP, Abu Muhammad, pai de quatro filhos, admitindo que no bairro onde vive “é cada vez mais difícil encontrar comida”. Outros dizem temer que o percurso através da linha da frente é demasiado perigoso, com atiradores de um e outro lado posicionados nos edifícios ao longo do caminho.