ONU quer gerir os corredores humanitários anunciados pela Rússia em Alepo

EUA dizem que se iniciativa for engodo pode pôr fim a cooperação entre os dois países na Síria. Staffan de Mistura diz que saída de civis exige pausa nos combates.

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Edifícios junto a um dos corredores que Moscovo diz serem seguros para quem quiser deixar as zonas cercadas Abdalrhman Ismail/Reuters

O enviado das Nações Unidas para a Síria, Staffan de Mistura, diz que deve ser a organização a assumir a gestão dos corredores anunciados pela Rússia, principal aliado internacional do regime de Bashar al-Assad, para permitir a saída da população cercada na parte Leste da cidade de Alepo, controlada pelos rebeldes e sujeita nas últimas semanas a intensos bombardeamentos.

Estas vias fazem parte de uma “grande operação humanitária” prometida na quinta-feira por Moscovo, um dia depois de o Exército sírio ter anunciado que fechou por completo o cerco aos combatentes e, por arrasto, aos cerca de 300 mil civis que permanecem naqueles bairros. Para a rebelião é apenas um exercício de cinismo e o Governo francês, um dos seus aliados internacionais, diz que “pedir aos habitantes de Alepo que deixem as suas casas não é uma resposta credível” à difícil situação humanitária na cidade. O secretário de Estado norte-americano, John Kerry, acrescentou que se a operação russa for um engodo “pode destruir por completo” a cooperação entre os dois países na Síria.

De Mistura prefere dar à Rússia o benefício da dúvida. Disse apoiar “qualquer iniciativa que vise ajudar populações civis”, argumentando que, se for concretizada de forma correcta, pode contribuir para restaurar a confiança nas negociações políticas, interrompidas há meses. Entende, no entanto, que o plano apresentado por Moscovo é apenas o esboço e “precisa de ser melhorado com urgência”.

Sugeriu de imediato duas alterações, incluindo pausas nos combates, para permitir a saída em segurança de civis e a entrada de ajuda de emergência. “A minha outra sugestão é que a Rússia nos entregue os corredores que criou por sua iniciativa”, disse, explicando que a ONU e os seus parceiros, como a Cruz Vermelha, têm a experiência necessária para montar uma operação deste tipo. “É o nosso trabalho. Levar ajuda humanitária e assistência aos civis, onde quer que estejam – é exactamente para isso que a ONU existe.” O embaixador russo nas Nações Unidas, Alexei Borodavkin, disse à Reuters que o seu Governo vai “estudar cuidadosamente” as propostas feitas pelo enviado, sem se comprometer com a sua aceitação.

Para já nada mudou nos bairros do Leste de Alepo. Um jornalista da AFP contou que nesta sexta-feira a aviação e artilharia de Assad voltaram a bombardear a zona e poucos se aventuravam nas ruas. “Não há corredores humanitários em Alepo. Os corredores de que os russos falam são corredores da morte”, disse Ahmad Ramadan, dirigente da oposição no exílio, que acusa o regime de ter em marcha “a destruição total e sistemática da cidade”.

O Observatório Sírio dos Direitos Humanos revelou, por seu lado, que apenas “uma dezena de pessoas” saiu desde quinta-feira por um dos quatro corredores criados. “Mas logo de seguida os rebeldes impediram os habitantes de se aproximarem” destas vias, que estão apenas abertas do lado controlado pelo Exército. Outros habitantes dizem temer ser alvo de franco-atiradores. “Os habitantes de Alepo enfrentam um dilema terrível, ou escolhem morrer à fome ou arriscam-se a morrer na fuga”, explicou Karim Bitar, analista do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas, em Paris.

Não muito longe de Alepo, na vizinha província de Idlib, uma maternidade que é apoiada pela organização Save the Children foi atingida por um ataque aéreo. Uma bomba caiu junto à entrada do edifício, matando duas pessoas e ferindo outra três, alegadamente familiares de mulheres ali internadas. Segundo a ONG, a maternidade de Kafer Takhareem é a única em funcionamento num raio de cem quilómetros e só no último mês nasceram ali 340 crianças.

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