As três conquistas de Bernie
Bernie Sanders tornou-se numa das figuras mais importantes da esquerda em todo o mundo e um dos políticos mais importantes da nossa época.
Quando Bernie Sanders apareceu há um ano na campanha presidencial americana ninguém apostaria nele para marcar a agenda nas primárias do Partido Democrático. O que ele conseguiu foi mais do que isso: tornou-se numa das figuras mais importantes da esquerda em todo o mundo e um dos políticos mais importantes da nossa época. Apesar de estar ideologicamente enraizado na história de antes da Guerra Fria — ou se calhar por isso mesmo — Bernie conseguiu falar à juventude norte-americana, primeiro, e depois a gente de todas as idades dentro e fora dos EUA, de uma maneira a que pouquíssimos políticos atuais têm acesso.
Pura e simplesmente, Bernie Sanders — que há um ano nem era militante partidário — conseguiu puxar o Partido Democrático mais para a esquerda do que qualquer outro político em muitas décadas. É agora possível, com o eleitorado e os ativistas que ele trouxe para a política, eleger muitos novos deputados e senadores progressistas para o Congresso americano. Essa conquista de Bernie traz com ela muitas outras conquistas: como ficou bem patente no discurso que ele fez na madrugada de ontem à Convenção Democrática, o programa eleitoral que ele negociou com Hillary Clinton contempla agora propostas que há poucos meses seriam consideradas impensáveis, das propinas gratuitas no ensino superior público à nomeação de juízes do Supremo que possam sentenciar a proibição de dinheiro privado nas campanhas eleitorais, ou à reforma das leis de imigração e da justiça criminal. Se implementadas, estas conquistas terão importância para lá das fronteiras dos EUA.
A segunda conquista tem precisamente a ver com essa dimensão externa. Bernie Sanders conseguiu aproximar mais as tradições do progressismo americano e da social-democracia europeia do que qualquer outro político estado-unidense desde Roosevelt. Quando outros candidatos evitariam sequer referir-se à Europa como exemplo, Bernie Sanders rejeitou o excecionalismo dominante na política do seu país para dizer que, sim, os EUA têm muito a aprender com a Europa. Da mesma forma, a Europa terá muito a aprender com o progressismo americano, especialmente na forma como este é inclusivo e estimula a diversidade e a participação, em particular das minorias — algo que vai fazendo muita falta deste lado do oceano.
Em terceiro lugar, Bernie Sanders cometeu aquilo que muitos considerariam uma heresia: recuperou o socialismo democrático para o século XXI, precisamente no país onde isso se julgaria mais improvável. Nunca vamos precisar tanto de socialismo democrático como nesta época de mudanças tecnológicas, crise ambiental e globalização desregrada. Só por isso Bernie Sanders deixa um grande legado que transcende os EUA ou até o mundo desenvolvido.
Só há uma maneira de estas três conquistas se perderem: se Trump ganhar as eleições. Foi isso que Bernie nos disse ontem de madrugada. Esperemos que os seus milhões de apoiantes o tenham escutado tão atentamente como até aqui.