Marcas do tempo
Desde o passado fim-de-semana, Portugal passou a ter dois “pregos dourados”, tornando-se numa referência internacional para as ciências geológicas!
Para alguns dos atletas que vão em breve disputar os jogos olímpicos do Rio de Janeiro, um milissegundo (0,001 s) pode ser decisivo para conseguir ganhar uma medalha. Um minuto pode fazer a diferença para apanharmos um comboio. Para os agricultores, os meses e as estações do ano ainda determinam quando fazer uma sementeira. A história de um país é construída ao longo de séculos e a das civilizações ao longo de milénios. Já para conhecer a história do nosso planeta, temos de recorrer aos milhões de anos (Ma).
O tempo é essencial para conseguirmos enquadrar sequências de eventos que testemunhamos todos os dias e que vão construindo as nossas vidas. Para compreendermos boa parte dos processos geológicos, necessitamos de uma escala de tempo que utiliza os milhões de anos como referência. Actualmente, a idade da Terra está estimada em 4,6 Ma (4600 000 000 anos); este enorme intervalo de tempo está dividido em diferentes unidades geocronológicas (4 eons, 10 eras, 22 períodos, 34 épocas e 99 idades), tal como um ano está dividido em 12 meses, 365 dias, 8760 horas, 525 600 minutos e 31 536 000 segundos (sem contar com os anos bissextos).
A escala de tempo geológico é definida pela Tabela Cronoestratigráfica Internacional, uma espécie de calendário que é construído a partir da análise e discussão, levada a cabo pela Comissão Internacional de Estratigrafia da União Internacional de Ciências Geológicas, de inúmeros trabalhos científicos publicados em todo o mundo.
É esta Comissão que actualiza periodicamente a tabela cronoestratigráfica e que define onde se localizam as rochas que melhor representam as unidades geocronológicas. Isto significa que existem padrões do tempo geológico, isto é, rochas que pelo conjunto das suas características e após rigoroso escrutínio científico, servem de referência para as pesquisas que se fazem em todo o mundo. Os limites temporais destas camadas de rochas são conhecidos pela sigla GSSP (acrónimo da expressão em inglês Global Standard Stratotype Section and Point) e são simbolicamente marcados no terreno por um “prego dourado”.
Desde o passado fim-de-semana, Portugal passou a ter dois “pregos dourados”, tornando-se numa referência internacional para as ciências geológicas! Apesar da sua reduzida superfície, o país possui uma enorme geodiversidade. O inventário nacional do património geológico tem cerca de 350 geossítios (locais de importância geológica), alguns dos quais de relevância internacional. É o caso dos dois GSSPs agora devidamente assinalados com o respectivo “prego dourado”.
No dia 24 de Julho, a cerimónia oficial decorreu na Câmara Municipal da Figueira da Foz, com a colocação do “prego dourado” no Cabo Mondego, onde ocorre uma fantástica sequência de camadas de rochas calcárias jurássicas. O local assinalado é o padrão do tempo geológico mundial correspondente a 170,3±1,4 Ma (início da idade Bajociano). No dia 25, cerimónia idêntica teve lugar na Câmara Municipal de Peniche, colocando-se o “prego dourado” na Ponta do Trovão (Península de Peniche), numa das camadas de rochas calcárias também jurássicas, mas agora com 182,7±0,7 Ma (início da idade Toarciano).
Dada a importância científica internacional destes dois geossítios, devem as autoridades nacionais assegurar a sua conservação e adequada gestão, usando os mecanismos disponíveis a nível de conservação da natureza e ordenamento do território. Quer os municípios, quer o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas, detêm competências no sentido de proteger o património geológico português que, ao contrário do que se possa pensar, necessita de medidas específicas que garantam a sua conservação através de uma adequada gestão.
Pólo da Universidade do Minho do Instituto de Ciências da Terra