Indústria surpreendida com possível revisão de descontos na luz

O Governo está a avaliar descontos na factura eléctrica a 52 empresas, que em 2015 custaram 110 milhões aos consumidores.

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Empresas queixam-se de pagar uma das facturas mais caras da Europa ADRIANO MIRANDA

O regime de interruptibilidade é mais um dos muitos elementos da conta da luz que os portugueses pagam sem saberem que está lá. Trata-se de uma remuneração atribuída a 52 empresas exportadoras, de uma lista de que fazem parte, por exemplo, a Siderurgia Nacional, a Altri, a Renova, a Cimpor, a Sonae Indústria, a Navigator Company e a CUF, e que em 2015 custou 110 milhões de euros aos restantes consumidores de electricidade.

“É um mecanismo que estamos a avaliar”, disse esta semana no Parlamento o ministro da Economia, Manuel Caldeira Cabral, adiantando que foram pedidos testes à Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) e às empresas sobre o seu “real interesse para o sistema”. Trata-se de um mecanismo que deve ser “avaliado rigorosamente do ponto de vista do funcionamento e dos custos”, sublinhou o ministro, em resposta a Heitor Sousa, do Bloco de Esquerda.

Uma intenção que apanhou a indústria desprevenida. Fonte da CIP – Confederação Empresarial de Portugal confirmou ao PÚBLICO que a organização “ficou surpreendida” com o facto de o tema estar na agenda do Governo. Uma surpresa que o PÚBLICO pôde confirmar também junto de algumas empresas que têm contratos de interruptibilidade e que preferiram não ser identificadas.

Este regime, que foi revisto em 2010 e alargado a empresas mais pequenas, garante que estas, por serem consideradas grandes consumidoras de electricidade, estão disponíveis para suspender a produção caso seja necessário responder a situações de emergência e aliviar a rede eléctrica. Segundo a ERSE, desde que o regime foi revisto, a REN, que gere a rede e que, por isso, faz também a gestão administrativa, técnica e operacional da interruptibilidade, nunca teve necessidade de tomar essa opção técnica para evitar um apagão.

O deputado do Bloco de Esquerda Jorge Costa, que faz parte do grupo de trabalho criado com o PS para reduzir os custos do sistema eléctrico, tem a expectativa que a revisão deste regime possa conduzir a uma redução de cinco euros na factura anual da luz das famílias, já em 2017. É um serviço que está “sobredimensionado” para o consumo que existe, disse o deputado ao PÚBLICO, considerando que se trata de um “subsídio à indústria” que também propicia “situações fraudulentas”. Isto porque várias destas empresas são produtoras eléctricas (através da cogeração), acabando por vender energia eléctrica à rede, e muitas são auto-suficientes, acusou Jorge Costa. “Em última análise, não oferecem uma disponibilidade real”, porque a interrupção do consumo é “irrelevante para a rede”, disse ao PÚBLICO.

Esta semana, o deputado bloquista questionou o presidente da ERSE sobre este tema numa audição parlamentar e Vítor Santos respondeu que, “a haver uma recomendação [do regulador]”, seria a de que estes incentivos deveriam ser atribuídos através de “um mecanismo de mercado, como acontece noutros países”.

A questão vai, porém, muito além do funcionamento do sistema eléctrico, notou o presidente da ERSE, que frisou tratar-se de “uma matéria da esfera do legislador” e não da regulação. “Quem tivesse de fazer isso [alterar o regime] teria de fazer a ponderação entre os objectivos de política energética e os objectivos de política industrial”, sublinhou Vítor Santos.

Na prática, a interruptibilidade funciona como um desconto na factura energética das grandes empresas exportadoras, que têm repetidamente apontado o custo da energia como a principal limitação à sua competitividade face a países onde esta é mais barata. Em 2013, a Siderurgia Nacional, detida pela espanhola Megasa, chegou mesmo a ameaçar deslocalizar a produção para Espanha (pondo em causa centenas de empregos), onde a electricidade é mais barata e os descontos de interruptibilidade são maiores. A ameaça foi levada a sério e a empresa (que representa cerca de 2,5% do consumo eléctrico nacional) conseguiu beneficiar de um maior desconto, mantendo assim as unidades produtivas na Maia e no Seixal.

Estes incentivos são uma “prática corrente na Europa”, garantiu ao PÚBLICO o assessor da direcção da CIP para os temas energéticos, Jaime Braga. É um mecanismo usado por diversos países para proteger as indústrias estratégicas e que não choca contra as regras europeias das ajudas estatais porque tem uma “contrapartida efectiva”, que é o serviço de interruptibilidade. “Se se mexer na interruptibilidade, o sistema eléctrico aguenta, porque as centrais a gás arrancariam mais vezes [em caso de eventual necessidade], o que não aguenta é a competitividade da indústria portuguesa”, que fica em “situação de manifesta desvantagem”, disse ao PÚBLICO.

Mas se a opção for "mexer na interruptibilidade", há que ponderar os custos de garantir que as centrais termoeléctricas a gás estão “quentes e prontas a arrancar”, caso sejam solicitadas, para fazer face a quebras na produção eólica e hídrica (que têm prioridade de injecção na rede). E esta disponibilidade de retaguarda paga-se. Seja por via dos custos de exploração que as centrais possam levar à tarifa, seja pelo mecanismo de garantia de potência.

Actualmente, a garantia de potência é um subsídio (fixado administrativamente) que algumas centrais recebem para estarem prontas a entrar em operação a qualquer momento e que este ano custará 20,3 milhões. O Governo já disse que pretende que a atribuição destes incentivos passe a ser feita em regime de mercado, através de leilões.

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