Cavaco estraga unanimidade do Conselho de Estado sobre sanções

Ex-Presidente sublinhou a submissão aos compromissos europeus e fez análise fria sobre a forma como a conjuntura internacional afecta as contas portuguesas. Tema ficou fora do comunicado final.

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Conselho de Estado reuniu-se na véspera do Ecofin Nuno Ferreira Santos

Foi um balde de água fria sobre o tom consensual em que decorria o segundo Conselho de Estado da era Marcelo Rebelo de Sousa. O ex-Presidente Cavaco Silva fez uma análise de cariz essencialmente técnico à conjuntura internacional – o tema da agenda da reunião de segunda-feira – em que, embora sem nunca se referir às sanções que Portugal arrisca por incumprimento do défice, acabou por sustentar a legitimidade da aplicação de penalizações.

Na sua intervenção, Cavaco Silva enumerou as regras europeias a que Portugal se submeteu, não apenas o Tratado Orçamental, que obriga a um défice estrutural de 3%, como sobretudo os programas de estabilidade com que se comprometeu perante Bruxelas, com previsões de défices ainda menores. O facto de ter sublinhado os compromissos assumidos e a importância das regras foi entendido por alguns conselheiros como uma legitimação das sanções que venham a ser aplicadas.

Certo é que o tema, que foi abordado por praticamente todos os conselheiros, acabou por não merecer uma única referência no comunicado final, que tem de ser aceite por unanimidade. No texto proposto pela Presidência, nem sequer surgiu qualquer referência ao assunto, evitando-se assim algum desconforto ou mesmo rejeição de parte do comunicado.

A nota informativa aprovada e distribuída aos jornalistas tinha apenas sete linhas e uma formulação genérica, dizendo que o conselho sublinhou “a premência de uma contínua reflexão aprofundada sobre os desafios colocados à União Europeia, em termos económicos, financeiros, sociais e políticos, e que deve merecer o acompanhamento do conselho”.

Por outro lado, o ex-Presidente fez uma análise fria da conjuntura económica internacional – tantas vezes usada pelo Governo como justificação para a fraca recuperação económica –, dizendo que a envolvente externa é igual para todos e desvalorizando o impacto de alguns países na economia nacional: relativizou tanto a quebra de crescimento de Angola e do Brasil, como o crescimento em Espanha e a redução do preço do petróleo.

Uma intervenção que foi interpretada como a mais crítica ao Governo neste Conselho de Estado e que contrastou com o tom consensual no sentido de que não se justifica a aplicação de sanções a Portugal, uma vez que o país está a cumprir as suas obrigações.

Na véspera da reunião do Ecofin, todos queriam ouvir a exposição do primeiro-ministro sobre o assunto. E António Costa apresentou dois cenários. Um mais preventivo aponta para a possibilidade de não ser aplicada nenhuma sanção até Janeiro de 2017, na perspectiva de ver se Portugal cumpre a meta de 3% do défice este ano. O segundo cenário, de cariz punitivo, seria a aplicação de uma sanção simbólica, uma multa relativamente irrisória. Costa manifestou, naturalmente, preferência pelo primeiro.

Esta terça-feira, já depois da reunião do Conselho de Ministros da Economia e Finanças da UE, o Presidente da República sublinhou aos jornalistas a existência de um consenso nacional sobre as sanções, lembrando como o Parlamento aprovou duas moções que, no essencial, as repudiam. E insistiu naquilo que tem dito: “A Europa, na actual situação, devia ir para uma solução mais salomónica: não deixar de aplicar uma sanção, mas ser zero ou quase zero.” Uma posição que demonstra a convergência de posições com o Governo.

Marcelo sublinhou mesmo o contexto da posição do Ecofin, referindo a diferença de posição tomada em relação aos dois países ibéricos: “Em relação a Espanha disse que eram necessárias medidas adicionais, enquanto sobre Portugal verificou que a execução orçamental aponta para um défice de 2,7% e que a missão que recentemente esteve no país verificou que a execução está dentro do previsto.”

Posição moderada com o Reino Unido

O assunto que mereceu mais atenção do Conselho de Estado foi mesmo o referendo do Reino Unido que resultou na decisão de sair da União Europeia. E, aqui, os conselheiros estiveram de acordo na ideia de que Portugal deve assumir, nas negociações que vierem a ter lugar, uma posição moderada, tendo em conta a relação especial com o velho aliado.

Pacífica foi também a ideia de que, na sequência do "Brexit", se deverá reabrir o debate sobre o modelo de governança da União Europeia: deverá evoluir no sentido mais federal ou menos federal? Com mais ou menos directório? Em qualquer caso, defendeu-se ali que Portugal deveria ter assumir uma posição própria neste processo.

O ex-Presidente Jorge Sampaio lançou para a mesa o desafio de que Portugal procure gerar um pensamento nacional nesta matéria, o que fez recordar a ideia de Ferro Rodrigues, presidente da Assembleia da República, de criar um grupo de trabalho na Assembleia da República sobre o assunto.

Em contraponto, Cavaco Silva lembrou que este era um tema sobejamente estudado e recordou o relatório dos cinco presidentes das estruturas da UE (Parlamento, Conselho, Comissão, Banco Central Europeu e Eurogrupo) que, em Junho de 2015, apresentaram a sua proposta de aprofundamento da União Económica e Monetária até 2025.

Na linha do que tem defendido publicamente, Francisco Louçã insistiu na ideia de que Portugal vai ter de fazer um referendo ao Tratado Orçamental, mais cedo ou mais tarde, porque as regras são impossíveis de cumprir, mas sobre esse tema-tabu ninguém mais fez qualquer comentário.

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