Paulo Rangel e uma notícia do Jornal de Notícias

Nos meios da pequena política de bastidores, a relação com a comunicação social pode ser perversa.

1. A comunicação social é o campus onde se desenvolve a política. Não passa de uma banalidade, mas não há carreira política nem desenvolvimento da política, positivo e negativo, sem uma relação com a comunicação social. Eis um tema que é um clássico no espaço público e na investigação académica.

2. Como político que sou, estou sujeito a exposição e sou também sujeito dessa exposição. Não sei se aqui alguma vez falei de mim enquanto sujeito político. Tenho escrito sobre questões pessoais, mas apenas no âmbito existencial e religioso ou do memorial histórico; nunca no domínio do “eu” político. Sem angelismos, digo que procurei sempre ter uma relação sã e leal com a comunicação social. Não alimentando intrigas, não criando falsos factos, não fugindo aos jornalistas. Embora lhes responda quase sempre, não alimentei nenhuma relação preferencial.

Na sexta-feira, um artigo do JN trazia o seguinte título de primeira página sobre as eleições autárquicas de 2017. “Paulo Rangel no Porto e Marco António Costa em Gaia”. No artigo, a meu respeito – e também a respeito de Marco António Costa, a julgar pelo seu desmentido, – invocam-se contactos e convites, todos eles falsos. Repito: absolutamente falsos e puramente inventados, supostamente por fontes (demasiado) “bem informadas”. Para demonstrar essa falsidade, terei de descer ao detalhe e aos bastidores da política. Sei que isso, por estar fora dos cânones convencionais, desagradará a jornalistas e a políticos. Como cidadão empenhado na vida pública e na sua qualificação, directamente eleito pelos portugueses, tenho esta obrigação e ponho-a à frente de todo o resto.

3. O artigo começa por dizer que Paulo Rangel já foi convidado por Passos Coelho para ser candidato à Câmara do Porto. Atendendo às responsabilidades no Parlamento Europeu e no PPE, falo com frequência com o líder do PSD. Até ao dia de hoje, nunca ele abordou, formal ou informalmente, as eleições autárquicas. Não me convidou nem sondou fosse para o que fosse. Mais: estivemos juntos na cimeira do PPE de 28 de Junho, que imediatamente antecedeu o Conselho Europeu sobre o Brexit. Os assuntos dominantes da conversa foram o referendo inglês e as sanções – onde Passos Coelho tem sido um defensor intrépido do interesse português. Nessa conversa, dei nota de que iria aceitar o convite de Bragança Fernandes para ser seu mandatário nas eleições distritais do Porto. Porque fui eu que falei no Porto, o líder do PSD teve uma ocasião de ouro para aflorar o tema. Mas, surpresa das surpresas, não o fez.

4. O artigo alude depois a conversações minhas com Miguel Seabra, líder da concelhia do PSD do Porto, em que o assunto teria sido tratado. Lamento informar as fontes do JN, mas nunca na minha longa vida de 48 anos tive uma única conversa a dois com Miguel Seabra, que respeito e prezo como líder da minha concelhia. Estive com ele em quatro ou cinco jantares em mesas de 8 ou de 10 pessoas e nunca ele falou em semelhante. Nem falou ele nem ninguém que o fizesse por seu mandato ou a seu pedido. Em boa verdade, e sem nenhum menoscabo, mal o conheço.

5. Não menos intrigante é a menção a que Rui Rio já teria falado comigo sobre o tema no mesmo sentido. Não vejo Rui Rio há vários meses, a ponto de ter até saudades dele. Indo ao que interessa: nunca ele mencionou tal assunto. Ponto final.

6. Fala-se depois em conversas cautelosas com Bragança Fernandes, candidato à Distrital do Porto do PSD, de quem, com orgulho e honra, aceitei ser mandatário. Falei com ele cerca de duas horas no dia 23 de Junho, num voo Bruxelas-Porto, em que por coincidência vínhamos lado a lado. Convidou-me para ser mandatário e, apesar de termos conversado duas horas, em nenhum momento se referiu às autárquicas no Porto ou noutro lado qualquer.

7. Gosto muito do JN, que é o único jornal português que tem um critério editorial favorável à descentralização. Admiro os seus directores e jornalistas, que daqui cumprimento. Foi o primeiro jornal que conheci, porque ainda antes do 25 de Abril era o jornal que o meu pai comprava (já que, na casa ao lado, a minha avó paterna comprava O Comércio do Porto e O Primeiro de Janeiro – e assim o meu pai lia os três). A relação emocional com a instituição é, por isso, longa.

8. Esta maneira de fazer notícias não é aceitável nem desculpável e não está na tradição do JN. A jornalista tentou contactar-me, mas eu estava a voar de Estrasburgo para Lisboa, via Bruxelas, o que leva sete horas. Chegou a mandar um sms vago – longe do tom assertivo do artigo – mas com uma reunião em Lisboa e um programa na TVI, não tive tempo de responder. Ninguém ligou a dois assessores em Bruxelas, que conhecem e que facilmente resolveriam a questão.

9. Conto tudo isto para que os leitores percebam como, nos meios da pequena política de bastidores, a relação com a comunicação social pode ser perversa. Deixei aqui nomes, datas, períodos e conteúdos perfeitamente registados. É fácil aferir quem fala verdade. 

Que explicações haverá para tal mistério? Uma benigna: há gente do PSD interessada em que seja candidato. Duas malignas. Há gente do PSD interessada em que diga que não sou candidato para tentar mostrar que – apesar de ter um mandato europeu e ser simultaneamente vice-presidente do Grupo PPE e do PPE, tendo acesso a reuniões periódicas do mais alto nível – não estive disponível para uma batalha autárquica. E há gente no PS interessada neste cenário para tentar convencer Rui Moreira a não concorrer como independente e encabeçar uma lista PS.

10. Apesar de ter gastado tanto latim com este assunto, acredite o leitor que continuarei a bater-me pelo interesse de Portugal na Europa e que não dou realmente importância ao assunto. Levo este percalço à conta de um estágio para a silly season que se aproxima! Porque o JN, a sua direcção e os seus jornalistas continuarão a ser, para mim, uma referência histórica e uma garantia do futuro do jornalismo de qualidade.

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