NATO enterra o degelo com a Rússia e volta à lógica da dissuasão
A estratégia que vai sair da cimeira de Varsóvia não pode hostilizar demasiado Moscovo mas tem de dar segurança aos países de Leste.
Se a Rússia quisesse invadir os países bálticos, as suas forças chegariam à capital da Estónia e Letónia no máximo em 60 horas, sem que as tropas da NATO no Leste da Europa conseguissem travar o seu avanço, concluiu uma equipa de investigadores da Rand Corporation que fez uma simulação de jogos de guerra. A derrota da Aliança Atlântica seria rápida e pesada.
Por isso, o que está na agenda da cimeira da NATO que começa esta sexta-feira em Varsóvia é iniciar o caminho de volta aos tempos da dissuasão face ao velho inimigo, a Rússia, reforçando os meios militares. Mas, ao mesmo tempo, é preciso não hostilizar demasiado Moscovo, o gigante com uma economia que lhe dá pés de barro mas que tem cerca de 7000 armas nucleares no seu arsenal e gosta de o lembrar ostensivamente, como quem usa uma jóia vistosa na lapela.
“Dissuasão e diálogo, um compromisso claro a favor da solidariedade com os nossos parceiros da Aliança e mão estendida para o diálogo. Não são elementos contraditórios, pelo contrário são indissociáveis”, frisou a chanceler Angela Merkel, apresentando no Parlamento em Berlim a "abordagem construtiva" defendida pela Alemanha.
Em Varsóvia, os líderes dos países da NATO preparam-se para deitar para o lixo a política de confiança em relação à Rússia, assente na cimeira da NATO em Lisboa, em 2010, com a presença do então Presidente russo, Dimitri Medvedev, quando o reset das relações dos Estados Unidos com a Rússia ainda parecia significar alguma coisa. Hoje, a NATO prepara-se para retomar a velha agenda da dissuasão, como nos tempos da Guerra-Fria.
A fronteira que os três países bálticos – Estónia, Letónia e Lituânia – partilham com a Rússia e a Bielorrússia é a que dá mais dores de cabeça à NATO. Os grandes exercícios militares que Moscovo tem realizado nesta região, e manobras para o aparente reforço arsenal no enclave russo de Kalininegrado (um corredor entre a Polónia e a Lituânia), com a possibilidade de ali serem colocados os novos mísseis nucleares Iskanker, dão pesadelos aos responsáveis da Aliança. Ali pode começar uma nova Crimeia, teme-se.
Armas e soldados
Se os tempos exigem um regresso à lógica da Guerra Fria, os meios hoje à disposição da NATO são bem mais limitados. Se a fronteira dos Bálticos com a Rússia e a Bielorrússia tem quase a mesma extensão da que separava a Alemanha Federal dos países do Pacto de Varsóvia até à queda do Muro de Berlim, nota a revista Foreign Policy, não é defendida como quando existia o Pacto de Varsóvia. Então, mais de 20 divisões com armamento pesado guardavam a fronteira. O mesmo não acontece hoje.
A título de exemplo, os mais de 2200 tanques que a Alemanha Ocidental tinha reduziram-se hoje para 250 e o número de soldados desceu de meio milhão para 177 mil. O número de batalhões prontos para combates de alta intensidade da Alemanha, Reino Unido, França, Itália e dos Estados Unidos na Europa diminuiu de 347 para 68, entre 1990 e 2015, escreve o analista Patrick Nopens, num artigo no Instituto Egmont, um think tank com sede em Bruxelas.
Durante os últimos 25 anos, desde o degelo da Guerra Fria, os países da NATO em geral têm diminuído os seus gastos militares – deixando os Estados Unidos a contribuir com cerca de 75% das despesas, e pouco satisfeitos com isso. Nesta cimeira, como nas anteriores, Washington continuará a pressionar os Aliados para subirem o seu investimento até alcançarem no mínimo 2% do PIB, pondo a ênfase no equipamento militar. Portugal é um dos países mais visados – em 2015, gastou 1,33% do PIB em defesa.
O que conta é a mensagem
Para evitar a derrota catastrófica no Leste, dizem os investigadores da Rand David Shlapak e Michael Johnson, que fizeram o estudo com jogos de guerra para verificar a vulnerabilidade da fronteia do Báltico, a NATO teria de mobilizar muito mais meios do que actualmente prevê. A simulação dos jogos de guerra indica que uma força de sete brigadas na área, incluindo três com armamento pesado, suportadas por artilharia e aviação, seria suficientes para “evitar a rápida conquista dos estados bálticos”.
É bastante mais do que as quatro brigadas móveis multinacionais, com cerca de mil soldados cada uma, comandadas pelo Canadá, Reino Unido, Alemanha e Estados Unidos, que passarão a operar nos países bálticos e na Polónia, para reforçar a presença avançada da NATO na Europa de Leste e Central. Juntam-se aos cerca de 40 mil efectivos da Força de Reacção (NRF) e da Força de Reacção Imediata (VJTF), que estão prontas a deslocar-se no espaço de dois a três dias.
Alguns peritos militares dizem que estes batalhões são pouco mais que nada. A NATO responde que o importante é a mensagem que transmitem: se a Rússia tentar alguma coisa, rapidamente todo o poder da NATO, com um potencial de 3,2 milhões de pessoal militar, poderá ser mobilizado para a combater. É como um isco num anzol que Moscovo não pode atrever-se a morder.
“Temos uma nova relação com uma Rússia que apresenta um novo rosto afirmativo, agressivo”, declarou o embaixador norte-americano na NATO, Douglas Lutte, citado pela Reuters. “Isto trouxe-nos de volta ao primado da nossa tarefa básica inicial: a defesa colectiva, na nossa vizinhança imediata.”
Escudo da discórdia
Estão longe os tempos da cimeira de Lisboa, em que Dimitri Medvedev aceitou participar nos “projectos concretos de cooperação” que a NATO lhe ofereceu. Um dos aspectos do novo conceito estratégico da Aliança, aprovado então, continua hoje a provocar atritos com Moscovo: o novo sistema de defesa antimíssil.
Oficialmente, é um escudo defensivo para proteger a Europa contra eventuais mísseis intercontinentais do Irão ou até da Coreia do Norte. Mas no Kremlin é entendido como uma ameaça directa. “Estamos a falar de interceptores, que não são armas ofensivas, as ogivas não estão armadas”, afirmou o secretário-geral da NATO, o norueguês Jens Stoltenberg. “Além disso, a sua rota, e as leis da física, tornam impossível a intercepção de mísseis balísticos intercontinentais russos”, sublinhou.
A entrada em funcionamento, em Maio, dos mísseis interceptores em Deveselu, na Roménia – que funcionarão em conjunto com um radar na Turquia e quatro navios Aegis na base de Rota, em Espanha – deu novo fôlego ao desentendimento.
Poucos dias antes do início da cimeira, no entanto, ainda não havia unanimidade entre os 28 países da NATO para declarar que o escudo antimíssil passaria para o controlo da Aliança (por ora, está nas mãos dos militares norte-americanos). A eventual activação do escudo para neutralizar um ataque teria fortes consequências e essa não é uma responsabilidade que se transfira de ânimo leve.
Após a cimeira de Varsóvia, deverá realizar-se, a 13 de Julho, uma reunião do Conselho NATO-Rússia – ao nível de embaixadores, apenas – para tentar retomar o diálogo. “O tema principal será a segurança militar, após as decisões tomadas pela cimeira de Varsóvia”, disse o embaixador russo na NATO, Alexander Grushko, citado pela Reuters. Estes encontros foram retomados a 20 de Abril, após quase dois anos sem se realizarem, após a anexação da Crimeia pela Rússia.