Os teus verdadeiros amigos sabem quando fazes anos

E talvez porque as nossas vidas andam a mil à hora, ou talvez porque se não tens conta no “Face“ é como se morresses para o mundo

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Harman Abiwardani/Unsplash

Resultado prático, uma vez desactivada a conta no Facebook, fiz anos. Ou quer dizer, lá em casa, fiz anos, e quem me conhece e gosta verdadeiramente não se esqueceu, começando logo pelo meu pai à 1 da manhã (sabias, pai, que eu já estava acordado e a trabalhar? Assim vai a vida), passando pela minha mãe, irmãs e cunhado no Whatsapp (porque agora tudo acontece no Whatsapp, e as fotos são só para quem a gente quer, sem ostensividade ou segundas intenções, somente partilha, saudade e emoções), alguns colegas lá da escola cujas línguas ainda não estão suficientemente de fora de cansaço, os meus queridos sogros, o professor de estágio (e já lá vão 17 anos), e poucos amigos chegados por “ésseémeésse“ e email.

E talvez porque as nossas vidas andam a mil à hora, ou talvez porque se não tens conta no “Face“ é como se morresses para o mundo, ou talvez porque pura e simplesmente não tenho tantos amigos quanto julgava ter, a verdade é só uma: os teus verdadeiros amigos sabem quando fazes anos, os outros nem por isso, os outros são só para os copos mais aquela palmada nas costas, porque quando chega a hora contamos sempre pelos dedos de uma mão quem de facto está connosco até ao fim, empoleirado à beira do poço sem qualquer problema em saltar quando eu contar até três, três!

E sim, se por um lado reconheço honrosas excepções, por outro não deixa de me fazer espécie o porquê das redes sociais como lembrete de aniversários onde antes existia uma agenda, ou onde hoje existe um telefone? Assim, e porque é mais cómodo termos um autómato social que nos lembra todas as semanas de quem faz anos, acabamos por nos afastar de quem mais interessa apenas porque estamos mais interessados em repetitivamente deslizar o dedo pelo ecrã enquanto cogitamos e rodopiamos ao redor do nosso próprio umbigo, da nossa própria Lua, como se tivéssemos outra vez quatro anos e a dita andasse atrás de nós para onde quer que a gente vá, tal é o nosso deslumbre, tal é a nossa ilusão.

Um dia disse-me um suposto amigo meu como “a continuar desta maneira“ me arriscava a “morrer sozinho“. Ainda hoje não sei bem como lhe explicar que todos morremos sozinhos e ninguém morre por nós apenas para nos acompanhar. Porque de nada nos vale morrer por solidariedade se quando a luz se apaga não está lá ninguém para nos dar a mão.

E porque morrer sozinho é o menor dos meus problemas, eis que desactivei a minha conta no “Face“ para, passados alguns dias, descobrir como onde antes tinha uns amigos agora tenho outros, quem por aqui cirandava há vinte anos já não ciranda e às vezes creio mesmo ter sido eu quem mudou, até porque lá na terrinha continua tudo na mesma, irrevogavelmente (e desta vez é a sério).

E porque a vida continua e “só faz falta quem está“, dei uma festa de anos e tive a casa cheia, afinal não estou sozinho e pelo andar da coisa também não me vão deixar bater as botas só, pelo que só tenho pena de saber de cor todas as datas de anos da malta lá do grupo de uma outra adolescência, mais as matrículas dos carros e esta memória fatídica para números de quem não se consegue esquecer de quem um dia se esqueceu.

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