Morreu Bill Cunningham, o lendário fotógrafo do New York Times
A história das suas fotografias é a história de Nova Iorque. Durante meio século, Cunningham ditou tendências. Tinha 87 anos.
Ditou tendências ao longo das últimas décadas. Foi um blogger antes do tempo dos bloggers. Figura central de Noval Iorque e da sua história. Bill Cunningham, o lendário fotógrafo do New York Times, que registou meio século de história da moda urbana nova-iorquina, morreu neste sábado na cidade que foi sempre a sua. Tinha 87 anos.
Cunningham, nascido em Boston em Março de 1929, tinha tido um AVC recentemente e estava internado, escreve o New York Times, lembrando a influência do fotógrafo. Em 2010, com 50 anos de carreira, Bill Cunningham teve mesmo direito a um documentário sobre si, realizado por realizado por Richard Press e que se estreou no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque (MoMA).
Bill Cunningham New York revelava o homem por trás da câmara. O homem que circulava por Nova Iorque apenas de bicicleta. Teve várias, escreve neste sábado o New York Times. Ou eram roubadas, ou ficavam velhas. Mas só de bicicleta poderia reparar nas pessoas que circulavam na rua e que habitualmente fotografava.
Bill Cunningham, que em 2008 foi condecorado pelo Governo francês com o título de Cavaleiro das Letras e das Artes, começou por escrever e fotografar para o Chicago Tribune, depois para a Women's Wear Daily, antes de chegar ao New York Times. Estávamos em 1978 quando começou a famosa coluna On the Street.
Qualquer que fosse a fotografia que publicasse na sua coluna, a tendência pegava. “Quando estou a fotografar, olho para o estilo pessoal com que alguma coisa é usada – às vezes até a forma como alguém leva um guarda-chuva ou como tem o casaco fechado”, dizia. A revista New Yorker, num perfil publicado em 2009, notava que o seu trabalho não era muito diferente de um pescador: "É preciso um conhecimento apurado dos ecossistemas, trabalhado ao longo de anos, com uma infinita paciência e em todo o tipo de condições meteorológicas”.
“Ele é o homem para quem todos nos vestimos”, diz em Bill Cunningham New York Anna Wintour, a influente directora da Vogue.
Bill Cunningham, como lembra o New York Times, tornou-se ele próprio uma celebridade. Ele que tinha entre as protagonistas das suas fotografias nomes como Greta Garbo ou Brooke Astor, a grande dama da alta sociedade nova-iorquina.
Quando falava de si, Cunningham era bem menos expansivo. Homem discreto e até misterioso. "Nunca dei uma boa história", conta no documentário que o seguiu durante dois anos. Embora Richard Press diga que o filme demorou bem mais tempo, mais precisamente dez anos: oito a convencer Bill, e dois a filmar e a montar.
“Ele queria encontrar temas, não ser o sujeito do tema. Queria observar, em vez de ser observado. O ascetismo era a sua marca”, lê-se no obituário do New York Times. “Ele não ia ao cinema. Não tinha televisão. Tomava o pequeno-almoço quase todos os dias no Stage Star Deli na West 55th Street, onde uma caneca de café, uma salsicha, ovos e queijo custavam, até há pouco tempo, menos de três dólares. Viveu até 2010 num estúdio em cima do Carnegie Hall [num dos apartamentos para artistas da sala de espectáculos] entre corredores e corredores de armários de arquivo, onde guardava todos os seus negativos. Dormia numa cama de solteiro, tomava banho numa casa de banho partilhada e, quando lhe perguntavam por que passou anos a rasgar cheques de revistas como a Details (que ajudou Annie Flanders a fundar em 1982), dizia: ‘O dinheiro é a coisa mais barata. A autonomia e a liberdade são o mais caro'”, escreve ainda sobre Cunningham o jornal nova-iorquino.
De tal forma que quando não fotograva na rua mas em galas e festas, Bill Cunningham não se juntava àqueles que já o conheciam tão bem. Não se sentava à mesa, não pegava num copo e mantinha até alguma distância. “Nas festas é importante ser invisível para apanhar as pessoas quando se alheiam da câmara – para ter a intensidade do seu discurso, os gestos das suas mãos. Tenho interesse em captar o momento com animação e espírito”, disse uma vez.
Foi obrigado a deixar o Carnegie Hall, como outros artistas que lá viviam, e mudou-se para um apartamento perto do Central Park, onde manteve a preocupação única de ter espaço para os seus armários de arquivos.
Arthur Ochs Sulzberger Jr., o presidente da New York Times Co., recorda Cunningham como uma das pessoas mais bondosas, gentis e humildes, apesar de se movimentar no poderoso e rico mundo da moda. “Perdemos uma lenda”, diz Sulzberger Jr..
Para Michele McNally, o director do jornal, as fotografias de Cunningham são a história de Nova Iorque. De todos os que vivem em Nova Iorque. “Jovens. Negros. Pessoas que gastavam fortunas na moda e pessoas que sabiam o que combinar com a roupa que tinham e descobriam”, destaca. “Foi um homem extraordinário, o seu compromisso e paixão não tinham paralelo, a sua gentileza e humildade eram uma inspiração. Apesar de os seus talentos serem muito conhecidos, ele preferiu manter-se anónimo”, lembra a directora de fotografia do New York Times, Michele McNally. “Vou sentir a sua falta todos os dias.”