A Europa dividida entre castigar os britânicos e acalmar as águas
Ainda não existe um discurso comum na Europa sobre como lidar com a saída britânica. Merkel já não parece contar com Hollande para resolver a crise.
A cúpula europeia dá mostras de não ter escolhido ainda um caminho comum para responder à saída anunciada do Reino Unido e este sábado continuava dividida entre forçar a mão dos políticos britânicos, castigá-los pela sua decisão e estancar outros movimentos eurocépticos pelo continente; ou seguir a linha da chanceler Angela Merkel, que, numa posição solitária, defendeu que não deve haver punição para os britânicos e que no topo da agenda não deve estar a obsessão com a possível saída de outros países.
Depois de um day after em que o tom mais evidente da reacção europeia foi a surpresa, os líderes da comunidade ensaiaram uma primeira resposta consensual na manhã deste sábado, durante a reunião dos ministros dos Negócios Estrangeiros dois seis países fundadores da UE. O que saiu foi uma mensagem dupla: os britânicos não podem fazer o resto da Europa refém e devem accionar o mais rapidamente possível o processo de saída do bloco europeu, que, por sua vez, deve também compreender a necessidade de reformas.
“Temos de reconhecer níveis diferentes de ambição entre os Estados-membros no que diz respeito ao grau de integração”, escreveram os seis chefes da diplomacia no comunicado publicado este sábado, depois do encontro em Berlim. “Temos de encontrar caminhos mais apropriados para enfrentar estas diferenças”, explicaram os representantes da Alemanha, França, Itália, Bélgica, Holanda e Luxemburgo, sugerindo espaço para novas velocidades numa Europa em que já há divergências quanto à moeda única e o espaço Schengen.
A mensagem para o Reino Unido foi mais dura e na linha do que já afirmara o presidente da Comissão Europeia na sexta, dia em que Jean-Claude Juncker lançou o mote da saída acelerada, sugerindo até que os britânicos devem primeiro abandonar o bloco e só depois negociar a nova relação. Os ministros combateram a possibilidade de um novo primeiro-ministro britânico poder surgir apenas em Outubro, adiando o processo de saída e arrastando os outros 27 membros por um período de incerteza.
“Claro que o primeiro-ministro deve ser nomeado, o que vai demorar alguns dias, mas isto é muito urgente”, lançou o ministro francês, causando uma onda de críticas entre os britânicos que esta semana votaram contra a interferência europeia. Durante a tarde, já depois de a Moody’s ter piorado as suas previsões para a saúde do crédito britânico e do Banco Central Europeu pedir negociações rápidas, foi a vez de Juncker sublinhar a sua posição. “Não faz sentido nenhum esperar por Outubro para negociar os termos da saída”, disse ao canal alemão ARD.
Brandura de Merkel
Só a chanceler alemã destoou. Falando em Berlim, onde se encontrará na segunda-feira com o Presidente francês e o primeiro-ministro italiano, antecipando o Conselho Europeu desta semana, Merkel admitiu que a decisão de dar início ao contra-relógio para as negociações de saída “não deve demorar uma eternidade, é verdade", mas admitiu que "não defenderia agora uma agenda curta”. “As negociações devem avançar num clima bom e cordial”, insistiu a chanceler, que ganha um relevo inédito com a saída de David Cameron e a fragilidade eleitoral de François Hollande.
Poucos líderes europeus estão mais pressionados pela saída do Reino Unido como Hollande, que na França enfrenta o mais poderoso movimento eurocéptico no continente europeu, a Frente Nacional, e eleições presidenciais em 2017 que lhe serão quase impossíveis de vencer — o seu próprio Partido Socialista não se decidiu ainda por um candidato. Também por isso Hollande e o seu Governo fazem parte do movimento que quer acelerar a saída britânica, preocupados com o fortalecimento do movimento de Marine Le-Pen.
“Será doloroso para o Reino Unido, mas, como em todos os divórcios, será doloroso para os que ficam para trás também”, disse este sábado o Presidente francês, recorrendo não só à mesma analogia matrimonial usada por Juncker, mas também à mesma referência a um futuro turbulento. “Não é um divórcio amigável, mas depois de tudo [o que aconteceu] também já não era uma relação muito romântica”, disse o presidente da Comissão Europeia, que também este sábado perdeu o comissário britânico para o sector financeiro, que, defensor da permanência britânica, decidiu afastar-se pelo seu próprio pé.
Merkel, por sua vez, vem pedindo uma resposta mais moderada. Recusa-se a ouvir “soluções rápidas e simples que vão dividir ainda mais a Europa”, colocando-se assim do lado oposto de Hollande, que lançou já uma série de propostas, incluindo a de “reforçar o euro”. Frédéric Lemaître escreve no Le Monde que a chanceler se deve preparar para um caminho solitário na mediação da saída britânica, até mesmo no campo doméstico, onde este sábado o seu próprio parceiro de coligação, o social-democrata Sigmar Gabriel, atribuiu as culpas do “Brexit” às políticas de austeridade europeias. Como argumenta o jornalista francês: “Vendo isto desde Berlim, não é possível depender demasiado de Paris para lidar com a crise actual.”