A conclusão do ensino secundário e o acesso ao ensino superior
Sediar no ensino superior o processo de admissão minimizaria muitos dos problemas conhecidos.
Iniciou-se a época de exames nacionais do ensino secundário a que se seguirá o todo o processo de candidatura e acesso ao ensino superior.
Tanto quanto se sabe e apesar de há algum tempo ter sido noticiado que o Ministério da Educação estaria a analisar a questão do acesso ao ensino superior por parte dos alunos provenientes do ensino artístico especializado, do ensino profissional e do ensino recorrente, até ao momento não são conhecidas alterações.
Regularmente este processo tem criado enorme ruído face a alterações verificadas e pelas situações de alegada discriminação que se verifica.
No entanto, ao que parece esta análise não envolve o processo relativo aos alunos dos cursos científico-humanísticos, o chamado ensino regular. Creio que também esta matéria deveria ser objecto de análise pois são frequentes as referências à inflação das notas internas, sobretudo em estabelecimentos de ensino privado que vão influenciar de forma significativa as médias finais e, portanto, o acesso ao ensino superior.
Recordo que o Relatório do CNE, “Estado da Educação 2014” referia justamente a existência de notas inflacionadas no ensino secundário, sobretudo por escolas privadas, e que enviesam de forma pouco aceitável o acesso ao ensino superior. A situação é por demais conhecida, as notas da avaliação interna são sistemática e significativamente mais elevadas que as notas obtidas pelos seus alunos nos exames nacionais. Os dados do Infoescolas logo que foram conhecidos também evidenciavam com clareza este quadro.
Importa registar que no caso das escolas “simpáticas”, as que inflacionam as notas, predominam as escolas privadas e no caso das escolas em que os alunos obtêm melhores resultados nos exames que nas avaliações internas predominam as públicas.
Aliás, em algumas zonas as escolas, privadas, sobretudo, mas também algumas públicas são "escolhidas" pelas famílias também em função deste conhecimento.
Os dados referidos pelo CNE terão desencadeado um inquérito do ME de que não conheço desenvolvimentos.
Face a este cenário talvez fosse positivo e necessário proceder a algumas alterações que deveriam ser estabelecidas com prudência e calendário adequado
Do meu ponto de vista, este tipo de situações e problemas, para além de evidenciar a necessidade de regulação, remete para uma questão central, a conclusão e respectiva certificação do ensino secundário e a candidatura ao ensino superior deveriam ser processos separados.
Os exames nacionais destinam-se, conjugados com a avaliação realizada nas escolas, a avaliar e certificar o trabalho escolar produzido pelos alunos do ensino secundário e que, obviamente, está sediado no ensino secundário. Neste contexto caberiam as outras modalidades que permitem a equivalência ao ensino secundário, como é o caso do ensino artístico especializado, profissional ou recorrente.
O acesso ao ensino superior é um outro processo que deveria ser da responsabilidade do ensino superior e estar sob a sua tutela tal como acontece já com o acesso dos maiores de 23 anos que não concluíram ensino secundário.
A situação existente não permite qualquer intervenção consistente do ensino superior na admissão dos seus alunos, a não ser a pouco frequente definição de requisitos em alguns cursos. Creio que até se torna estranha a passividade aparente por parte das universidades e politécnicos, instituições sempre ciosas da sua autonomia. Provavelmente o ensino superior, fazendo o discurso da necessidade de intervir na selecção de quem o frequenta, não está interessado na dimensão logística e processual envolvida.
Os resultados escolares do ensino secundário deveriam constituir apenas um dos factores de ponderação ou critérios a contemplar nos processos de admissão organizados pelas instituições de ensino superior como, aliás, acontece em muitos países.
Sediar no ensino superior o processo de admissão minimizaria muitos dos problemas conhecidos decorrentes do facto da média do ensino secundário ser o único critério utilizado para ordenar os alunos no acesso e eliminaria o “peso” das notas altíssimas concedidas nas escolas mais “simpáticas” ou conseguidas através de modalidades que as podem favorecer. Existirão múltiplas alternativas para a organização deste processo.
Por outro lado, todos conhecemos os clássicos exemplos de alunos que se dirigem a medicina porque as suas altíssimas notas assim o sugerem, acabando por reconhecer não ser esse o seu caminho e, por outro lado, um potencial excelente médico que deixará de o ser porque por três vezes ficou a décimas da média de entrada.
Enquanto não se verificar a separação da conclusão do secundário da entrada no superior corremos o risco de lidar com situações desta natureza.
Poderíamos pensar na mudança, com tempo, com competência e com participação.
Professor e investigador do Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA)