Os "bravos do cais" saíram à rua com reforços para contestar precariedade

Manifestação convocada pelos estivadores juntou vários sindicatos e movimentos independentes em frente à Assembleia da República, para protestarem contra a precariedade.

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Enric Vives-Rubio
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Estivadores, precários, desempregados, estudantes, trabalhadores de call centers, dos transportes e de outros sectores concentraram-se nesta quinta-feira em frente à Assembleia da República, numa manifestação contra a precariedade. Mais de meio milhar de pessoas, oriundas de vários movimentos e sindicatos, aderiram à iniciativa convocada pelo Sindicato dos Estivadores que tinha como lema “Precariedade? Nem para os estivadores, nem para ninguém”.

António Mariano, presidente do Sindicato dos Estivadores, Trabalhadores do Tráfego e Conferentes Marítimos do Centro e Sul de Portugal, desvalorizou o facto de os manifestantes não encherem a praça em frente ao Parlamento. “Podiam estar aqui dois milhões, porque a precariedade é brutal e não é um problema exclusivamente nosso [dos estivadores]”, reconheceu.  Mas o que conta são “as pessoas que cá estão e que representam muitos sectores da sociedade portuguesa”, disse já na recta final do protesto.

"O apelo que aqui fazemos às forças políticas é que, se estão todos de acordo que a precariedade é excessiva, e se no sector portuário é ainda mais excessiva do que no Código do Trabalho, então têm de tomar medidas legislativas que levem à alteração da lei [do trabalho portuário]", desafiou.

A manifestação partiu da Praça de São Paulo, no Cais do Sodré, em direcção ao Parlamento. A abrir o desfile, seguiam algumas centenas de estivadores – vestidos de preto e alguns de cara tapada com a bandeira de Portugal e óculos escuros – alinhados atrás de uma faixa onde se lia "precariedade nem para os estivadores nem para ninguém" e " todos por todos, porto a porto, empresa a empresa, sector a sector".

Durante todo o percurso, ouviram-se cânticos – "cinco mil euros ganha a tua mãe" ou "nós os estivadores somos os bravos do cais, lutaremos até ao fim" – e palavras de ordem contra a precariedade, entrecortadas pelo rebentamento de petardos e pelo som de tambores e buzinas. Alguns manifestantes empunhavam tochas e outros iam distribuindo autocolantes onde se lia “united we stand, divided we fall” (em tradução livre “juntos seremos mais fortes”).

João Campos, 30 anos, é estivador no Porto de Lisboa há uma dezena de anos. Começou por ser trabalhador eventual, mas acabou por ser integrado nos quadros na sequência de uma decisão do tribunal. Decidiu juntar-se aos protestos porque defende que estes profissionais devem ter os mesmos direitos laborais. “Não faz sentido que dois estivadores façam a mesma coisa, e um ganhe 1500 e o outro ganhe 500”, exemplifica, acrescentando que está em luta pelos seus direitos, pelos dos trabalhadores de outros portos do país e pelos dos estivadores do futuro, para que “não sejam precários”.

Enquanto sobe a Rua do Alecrim, lamenta que a opinião pública tenha uma ideia errada daquilo que é a vida dos trabalhadores portuários e se fale de salários milionários. Garante que o seu salário base não chega aos 1500 euros, mas quando trabalha 16 horas, algo que acontece com frequência, o salário também sobe.

Um pouco mais à frente segue outro estivador de mão dada com o filho, que não tem mais de cinco ou seis anos. Prefere não ser identificado, mas conta que entrou para a estiva através de um anúncio no jornal e que trabalha há 12 anos no sector. Tal como João Campos, começou como eventual e cinco anos depois acabou por passar a efectivo. Apesar de não estar numa situação precária, sai à rua porque defende que “todos têm lugar no Porto [de Lisboa]”. “Obrigam a gente a trabalhar 16 ou 20 horas e se houvesse mais trabalhadores não havia necessidade”, diz.

Alguns dos estivadores com quem o PÚBLICO tentou falar preferiram ficar em silêncio, outros sob anonimato garantem que lutam por uma vida digna. Um sentimento que Sérgio Sousa, dirigente do sindicato, expressou na intervenção que fez em frente ao Parlamento: “Dignidade não são 500 paus por mês, é muito mais do que isso”.

A roupa preta dos estivadores contrastava com as t-shirts brancas das suas  mulheres, filhas e outros familiares – representando o movimento Há Flores no Cais – que também se juntaram ao protesto. Algumas seguravam rosas vermelhas e balões brancos onde se lia “paz nos portos”. Erica Nunes, 31 anos, é uma das mulheres que segura a faixa do movimento. Juntou-se à luta do marido porque estava “cansada de ouvir que os estivadores só querem é dinheiro e são uns brutamontes”. “Isso não é verdade, de todo”, garante.

Na manifestação participaram também o International Dockers Council (IDC), o movimento internacional de estivadores que tem estado ao lado dos portugueses; a CGTP; a Federação dos Sindicatos dos Transportes (FECTRANS), afecta à CGTP; o Sindicato Nacional dos Assistentes Sociais e o Sindicato dos Trabalhadores dos Call Centers. Juntaram-se ainda representantes das Comissões de Trabalhadores da Groundforce, o Movimento Alternativa Socialista, entre outros movimentos como as Panteras Rosas e os Precários Inflexíveis.

É na zona dos call centers que se ouve “deixa passar, deixa passar, eu sou precário e estou na rua para lutar”. São sobretudo jovens, mas também há pessoas mais velhas. Uma mulher, de rosa vermelha na mão, aproxima-se e pede para não revelar o nome. Quer apenas deixar uma mensagem: “Tenho 60 anos, duas licenciaturas e trabalho há dez anos num call center”. Não dá muitos pormenores, apenas que os seus contratos são quinzenas e que as licenciaturas são na área do teatro e da gestão de instituições sociais.

Pelas 17h30, meia hora antes do início do protesto, a Assembleia da República já estava rodeada de grades – mais do que o habitual – e viam-se alguns polícias e a carrinha de som da CGTP já preparada para as intervenções dos vários dirigentes e movimentos. 

Ao início da tarde, António Mariano, dizia ao PÚBLICO que a manifestação é um processo independente do conflito que se tem vivido no Porto de Lisboa e do acordo colectivo que está a ser negociado. “A questão da precariedade é transversal a toda a sociedade portuguesa”, afirmou. Já em relação ao acordo colectivo, António Mariano não tem dúvidas: “Qualquer que seja o acordo alcançado, o problema da precariedade vai manter-se, tanto em Lisboa como nos outros portos do país”.

A apoiar o protesto estiveram deputados do BE, do PCP e do PEV, que fizeram uma intervenção no final defendendo a revisão da lei do trabalho portuário. Tiago Barbosa Ribeiro, deputado do PS, também se juntou aos manifestantes em frente à Assembleia da República, mas não fez qualquer intervenção.

No início da semana, a ministra do Mar, Ana Paula Vitorino, garantiu que o Governo não vai alterar a lei do trabalho portuário, aprovada pelo anterior executivo PSD-CDS-PP com os votos favoráveis do PS, srgumentando que se trata de "uma adaptação à legislação comunitária". Com Pedro Crisóstomo

 

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