Griezmann, o “português” de Mâcon
Na terra que viu nascer o neto de Amaro Lopes, o goleador francês desafia a popularidade do poeta Alphonse de Lamartine.
Alphonse de Lamartine, romancista e poeta francês do século XIX, grande nome do romantismo francês e mundial, era, até há pouco tempo, a mais ilustre personalidade nascida em Mâcon, uma pequena cidade da região da Borgonha, de 34 mil habitantes, a 80km de Lyon. Nos últimos anos, esta figura maior da cultura gaulesa teve de ceder algum protagonismo, na sua terra natal, a um artista do futebol: Antoine Lopes Griezmann, o herói do momento em França, que abriu a porta ao complicado triunfo sobre a Albânia, em cima do apito final. Mas Griezmann é também o neto de Amaro Lopes, pioneiro da comunidade portuguesa local, que o PÚBLICO foi conhecer.
As instalações do Sporting Clube de Mâcon (SCM), no centro histórico desta pacata cidade, são modestas, mas este é um ponto de passagem obrigatório para os portugueses que vivem na região. Belmiro Palavaz, presidente da associação, fundada nos anos de 1970, têm-se esforçado, por recuperar o emblema, que atravessou uma crise nos últimos anos. A equipa de futebol e o rancho folclórico são as jóias da colectividade.
A estrela do Atlético de Madrid e da França era presença habitual nas instalações do SCM desde criança, quando o seu pai, Alain Griezmann, treinava o emblema. “Conheço-o praticamente desde que nasceu. Lembro-me dele aos cinco anos, sempre com uma bola na mão, ao lado de Alain”, recorda Belmiro, de 44 anos, natural Vilares, no concelho de Murça, em Trás-os-Montes. Se Griezmann é a costela francesa de Antoine, Lopes é o seu ADN português, herdado da mãe, Isabelle e do avô, Amaro Lopes, um antigo defesa do Paços de Ferreira, que emigrou com a família para França no final da década de 1950.
Amaro haveria de falecer em 1992, quando o ilustre neto tinha apenas um ano. “O avô esteve sempre ligado ao SCM e era por isso que, em determinada altura, usávamos as camisolas amarelas do Paços de Ferreira”, explica Belmiro: “Percebemos todos muito cedo que o Antoine estava destinado a ser jogador de futebol. Como o SCM não tinha formação, na altura, ele acabou por ir para as escolas do UFM (Union Football Maiconnais), que é o nosso grande rival aqui na cidade.”
Mas o futebol de Mâcon era, definitivamente, acanhado para o pequeno Antoine, que não parava de surpreender com a bola nos pés. O pai decidiu procurar um clube de maior projecção nacional para que prosseguisse a sua evolução. O Lyon, pela proximidade, foi a opção lógica, mas o emblema não ficou impressionado com a jovem "pérola", devido à sua baixa estatura. O UFM continuaria a ser a sua “casa” por mais algum tempo. Em 2005 tudo se precipitaria, quando Griezmann, então à beira dos 14 anos, despertou a atenção de um olheiro da Real Sociedad, durante um torneio organizado pelo Paris Saint-Germain.
Os bascos viram o que mais ninguém parecia ter visto e não hesitaram. Logo na temporada 2005-06, Antoine iniciou-se nas camadas jovens da Real Sociedad. Longe de casa, sem a família por perto e num país diferente, os primeiros tempos foram complicados. “Não sabia nada de espanhol, não falava com ninguém… Havia noites em que chorava muito. Durante o dia estava bem, mas quando ia dormir tudo era mais difícil”, admitiu mais tarde.
Após quatro anos a queimar etapas nos escalões de formação, estreou-se na equipa principal (2009-10), com apenas 18 anos. Na Real Sociedad tornou-se rapidamente um médio-ala desequilibrante, mas ainda não era o finalizador de hoje. O seu potencial despertou a atenção de Diego Simeone que convenceu os responsáveis do Atlético de Madrid a desembolsar 30 milhões de euros para o contratar na época de 2014-15.
Sob a orientação do treinador argentino, aprendeu a defender, como todos os seus companheiros de equipa, e a gerir a rapidez e capacidade de antecipação para aumentar a sua produção goleadora. No primeiro ano apontou 25 golos para os “colchoneros” (em 53 partidas) e 32 na última temporada (54). Estava forjado um avançado de elite.
Entre o céu e o inferno
Com as cores do seu país, viveu entre o céu e o inferno durante os primeiros anos. Em Julho de 2010, participou na conquista do Europeu de sub-19, mas, três anos depois, nas qualificações para o Europeu de sub-21, um incidente abalou-o profundamente. Uma saída nocturna, com alguns companheiros, durante uma concentração da equipa acabou por provocar a sua suspensão, até Janeiro de 2014.
Em Mâcon, dizem que ficou bastante abalado com o sucedido e, na altura, ponderou pedir a nacionalidade portuguesa para ter a opção de representar a selecção nacional. Fernando Santos seria hoje um treinador bem mais feliz, mas Antoine acabou por regressar pela porta grande ao conjunto francês. Um mês depois de terminar o castigo, foi chamado por Didier Deschamps para se estrear no “onze” dos “bleus”, num particular contra a Holanda.
Convenceu e integrou os 23 convocados para o Mundial do Brasil desse ano. Aponta os seus primeiros três golos pela equipa principal de França em duas partidas de preparação (soma actualmente oito). Participa em vários encontros do torneio, sem marcar, até à eliminação nos quartos-de-final, frente à Alemanha (1-0).
Depois do castigo imposto a Benzema, avançado do Real Madrid, chegou a este Europeu como a grande esperança do ataque da sua selecção. Se não deslumbrou no jogo com a Roménia (2-1), saltou esta quarta-feira do banco (68’) para abrir os ferrolhos da Albânia, em cima dos 90’, e evitar um empate embaraçoso à selecção da casa. Um golo de cabeça de um jogador de 1,74m, com um talento extraordinário para furar as defesas. O triunfo (2-0) foi confirmado já nos descontos.
Em Mâcon a partida foi vista com relativo entusiasmo. A equipa da França não está a convencer e os adeptos locais, aqui e em todo o país, estão relativamente cépticos e frios. “É sempre assim”, explicou Belmiro Palavaz: “Já no Mundial de 1998 aconteceu o mesmo e a selecção ganhou o título. As pessoas só vão começar a vibrar com o avançar da prova e se a França conseguir seguir em frente.”
A vida prosseguia pacata na cidade esta quinta-feira. Alain, pai de Antoine Griezmann, continua a trabalhar como funcionário sanitário municipal, mas a mãe, Isabelle, deixou de fazer limpezas. Há pouco tempo, mudaram-se da casa camarária, onde viveram muitos anos, para uma outra bem mais luxuosa, à saída da localidade. Dizem por aqui que terá custado 600 mil euros. Uma cortesia do filho, depois de se mudar para o Atlético de Madrid.
“São pessoas simples e de origens humildes. O Antoine continua a vir aqui e nunca falha as festas de Natal. É um rapaz simples e sossegado e muito apreciado”, resumiu Belmiro. O casal Griezmann tem mais dois filhos: Maude, que foi uma das sobreviventes do massacre terrorista no parisiense Bataclan, em Novembro do ano passado (a pouca distância, Antoine jogava um particular com a Alemanha) e Théo, que estuda e integra o plantel do SCM. “Joga também como avançado”, esclarece o presidente do clube, antecipando a pergunta seguinte: “Mas não é nada como o irmão.”