Um cravo para Paquete

Dos cravos que Paquete nos deixou, tiramos agora um para ele, num suave e sentido adeus.

Quando morreu o jornalista Tolentino de Nóbrega, nosso saudoso representante na Madeira, Paquete de Oliveira veio do funeral com uma extraordinária missão: distribuir pelos jornalistas do PÚBLICO um grande molho de cravos vermelhos. Um a cada, a pedido da família de Tolentino, para que não esquecêssemos os valores da liberdade. Agora, quando desses cravos nos resta apenas a memória e, em várias secretárias, o esqueleto seco da flor, morreu Paquete de Oliveira. Se pudesse, talvez nos deixasse ainda mais cravos, com idêntica recomendação e lembrança; mas deixou-nos, em vez deles, uma carta, um último adeus, calculando a proximidade da morte. Escreveu como se se desculpasse por não cumprir deveres, pedindo "compreensão" para tão forçada ausência a leitores (dos quais era aplicado e incansável provedor) e jornalistas: "Todos mereciam mais", disse, sem nos deixar dizer que ele é que merecia mais tempo de vida. E acrescentou, como se a falta fosse sua: "Esperava acompanhar este meu adeus com as razões explicativas, as perspectivas futuras e sugestões concretas. Não sei se o momento da morte ainda o consentirá." Não consentiu. Mas ele lutou contra ela de forma quase inumana, ao escrever, semana após semana, muitas vezes em condições dolorosíssimas, a crónica do seu mais recente de muitos ofícios, ofícios esses quase "sempre perto de jornais, rádio, televisão": padre, jornalista, sociólogo, comentador, professor, provedor, autor e co-autor de vários livros e muitas publicações sobre media e jornalismo.

À carta que escreveu a 10 de Junho, nesse dia de Portugal que foi véspera da sua morte, Paquete de Oliveira queria ainda acrescentar uma crónica, que seria a derradeira, para o seu espaço habitual nas edições de segundas-feiras. Não conseguiu. No lugar dela fica um vazio que não é bem vazio, antes um espaço amplo de memória onde cabem as suas reflexões, recomendações, reparos, tudo aquilo que foi fazendo e que nos legou.

Em 1993, numa crónica sobre António José Saraiva, que acabava de morrer, o fundador e primeiro director do PÚBLICO, Vicente Jorge Silva, citava um texto "absolutamente comovente e maravilhoso" do historiador, escrito na morte de Maria Lamas (amiga de ambos) e intitulado "Rosas para Maria", glosando-lhe o título: "Das rosas que enviou a Maria, roubo-lhe hoje uma só, para ele. Para o rebelde que foi — e me ensinou a ser." Dos cravos que Paquete nos deixou, tiramos agora também um para ele, num suave e sentido adeus.

 

P.S.: Por lapso involuntário, indicou-se 2003 como ano da morte de António José Saraiva, quando foi 1993. Fica feita a correcção.

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