Marcelo: “Portugal é o seu povo, não vacila, não trai, não se conforma, não desiste”
Para o Presidente, nos momentos de crise, “quando a pátria é posta à prova, é sempre o povo quem assume um papel determinante”. Foi sempre o povo a lutar pelo país, mesmo quando as elites” falharam, disse ainda. E terminou o discurso, dizendo: “Somos portugueses, como sempre triunfaremos.”
Pessoas de diferentes idades e nacionalidades encostam-se às grades que contornam o Terreiro do Paço, em Lisboa, para verem a cerimónia militar comemorativa do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesa, que aconteceu nesta sexta-feira de manhã. Antes das 10h, e no amplo terreiro onde estavam cerca de 1500 militares de 30 unidades das Forças Armadas, só se ouvia, ao microfone, o anúncio da chegada de mais um membro do Governo.
Por volta das 10h, à hora marcada, chega o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. O Tejo serve de cenário de fundo, o hino nacional ecoa na praça, houve disparos de tiros de canhão de navios e aviões F-16 a passar no céu. Marcelo não foi o primeiro a falar, mas fez uma intervenção de cerca de oito minutos inteiramente dedicada a louvar as capacidades do povo português, mesmo nos momentos mais difíceis, mesmo quando as elites falham.
Esta foi a principal mensagem do Presidente da República no primeiro discurso que fez no 10 de Junho. “Portugal é o seu povo”, disse, acrescentando que esse povo “não vacila, não trai, não se conforma, não desiste”. Mais, para o Chefe de Estado, nos momentos de crise, “quando a pátria é posta à prova, é sempre o povo quem assume um papel determinante”.
"Foi o povo quem, nos momentos de crise, soube compreender os sacrifícios e privações em favor de um futuro mais digno e mais justo. O povo, sempre o povo, a lutar por Portugal. Mesmo quando algumas elites, ou melhor, as que como tal se julgavam, nos falharam, em troca de prebendas vantajosas, de títulos pomposos, meros ouropéis luzidios, de autocontemplações deslumbradas ou simplesmente tiveram medo de ver a realidade e de decidir com visão e sem preconceitos”, afirmou.
O Presidente da República elencou vários momentos históricos que, no seu entender, demonstram as capacidades do povo português. Aliás, nesse sentido fez referência ao terramoto de 1755, que destruiu o Terreiro do Paço, que foi, depois, reerguido. Segundo Marcelo, os portugueses deram “prova” de que são capazes de planear, reconstruir, reerguer, “novamente” e “a partir do nada”: “Esta praça tornou-se uma das mais belas da Europa”, disse, acrescentando que os portugueses mostraram ao mundo de que “fibra” são feitos.
Para Marcelo, o Terreiro do Paço concentra em si os factos mais importantes da história de Portugal, “mesmo antes das Descobertas”. “Aqui se misturaram gentes, culturas e produtos, vindos por terra ou trazidos por naus e caravelas dos lugares mais longínquos que fomos descobrindo (...) O nosso cosmopolitismo começou aqui”, sublinhou.
Para Marcelo Rebelo de Sousa, “Portugal avançou e cresceu sempre que as elites, interpretando a vontade popular”, o guiaram “em comunhão plena”. É um país, continuou, que foi “construindo e consolidando” a sua “identidade nacional”, ao longo dos séculos. Tem um povo, prosseguiu Marcelo, que “não se vergou”. Recordou, entre outros marcos históricos, que foram “os soldados de Portugal” que “deram sentido à palavra liberdade”. Para o chefe de Estado, este povo é “o garante do desenvolvimento económico”. Marcelo terminou o discurso, dizendo: “Somos portugueses, como sempre triunfaremos.”
Críticas de João Caraça à UE e de Santos Silva às elites
Antes, o presidente da comissão organizadora das comemorações, o cientista João Caraça, teceu críticas ao projecto da União Europeia que, em seu entender, "se afunda sem remissão". Defendeu que “um país é muito mais do que um conjunto de indicadores económicos e financeiros” e referiu-se à “desorganização que grassa presentemente na União Europeia". "Um continente de tão ricas nações, com patrimónios invejáveis, possuidoras de culturas emanando de fortíssimas experiências históricas em todos os domínios das artes, das letras, das ciências. Porém, vemos que se afunda sem remissão o projecto de integração europeia, o projecto mobilizador da União para o futuro. E onde está novo projecto?", perguntou, alertando que tentam “desapropriar-nos do nosso futuro como nação”. O director do serviço de Ciência da Fundação Calouste Gulbenkian deixou ainda um alerta: “Em nome da humanidade, não os podemos deixar fazê-lo, e não os iremos deixar”.
As cerimónias começaram ainda quinta-feira, mas foi nesta manhã de sexta-feira, em Lisboa, que Marcelo condecorou seis militares por se terem destacado no cumprimento de missões, nacionais e internacionais, três deles pelo seu papel no período final da guerra colonial, em Angola e Moçambique – o 1.º cabo auxiliar enfermeiro António Nunes; o soldado José Santana; e o soldado de transmissões António Maria Alves. Os outros três são militares ainda no activo. As cerimónias prosseguem, de forma inédita, em Paris, onde, entre outras distinções, Marcelo condecorará emigrantes portugueses pelo papel que tiveram na juda às vítimas dos atentados terroristas em Paris.
Entre outros rostos da política nacional, estiveram presentes o primeiro-ministro, António Costa (que rumou mais cedo para Paris), oito ministros, o presidente do PSD, Pedro Passos Coelho, a líder do CDS-PP, Assunção Cristas, e também o presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues.
Aos jornalistas, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, havia de elogiar o “excelente” discurso do Presidente, sobretudo no que toca à crítica às elites: “Pessoalmente, essa foi uma das partes do discurso do Presidente da República de que me senti mais próximo. Tenho dito repetidamente, e também enquanto sociólogo, que o problema português não é um problema do povo, mas das elites", afirmou, não se esquivando a incluir-se, ele próprio, nas elites políticas. “Não me estou a pôr de fora”, assumiu. E insistiu: “Se as elites portuguesas tivessem a qualidade que o povo português tem, estaríamos muito melhor.”
Sobre o discurso de João Caraça, Santos Silva considerou que foi uma intervenção que convidou todos a pensar “no nosso futuro”. “O elemento essencial do seu discurso foi notar uma evidência que, às vezes, nos esquecemos: a nossa identidade constitui-se não apenas com o património e a cultura que herdámos e que nos anima, mas também com o nosso futuro”, começou por dizer. Para rematar: “Evidentemente, que o futuro de Portugal é incompreensível fora do quadro da União Europeia, mas é evidente também que Portugal deve contribuir activamente para a União Europeia repensar o seu futuro.”