Paulo Portas: o virar de uma página nos cadernos com monograma que vêm de Roma
Antigo vice-primeiro-ministro, que aceitou ser consultor da Mota-Engil, rejeita incompatibilidade com a lei e a ética.
Desde que em Novembro de 2015 reassumiu o lugar de deputado na bancada do CDS na Assembleia da República que Paulo Portas se instalou na chamada "salinha dos presidentes", onde todas as semanas se reúnem os parlamentares da bancada centrista . Na parede figuram os retratos de todos os líderes parlamentares, incluindo o do próprio, o sexto a contar do fim. Há uma mesa de reuniões, comprida, rectangular, que ocupa quase todo o espaço. Portas instalou-se à cabeceira e é aí que tem trabalhado quando vai ao Parlamento. Não quis ficar com nenhum dos gabinetes dos seus colegas. É nesse escritório improvisado (onde não falta uma máquina de café) que passou parte da passada sexta-feira, o seu último dia no Palácio de São Bento. Já não tem livros nem outros objectos pessoais para encaixotar. Na mesa estão pousadas as chaves do carro, o El País e a Veja, os óculos para ler à noite e dois molhos de folhas brancas. O papel em que costuma redigir os discursos. “Sempre gostei de folhas limpinhas. Eu escrevo seis ou sete linhas por página e, quando rasuro mais do que uma palavra ou duas, rasgo e repito. Sou muito estético”.
Escreve tudo à mão e não no computador. Como é que vai enfrentar o mundo do trabalho de hoje? “Com Moleskines”. Os caderninhos têm uma capa verde escura, são personalizados com o seu monograma dourado e são encomendados em Roma. É nesses blocos que estão registadas as notas de quase duas décadas de actividade política. Mas não estão organizados para memórias. “Vou escrevendo, vai gastando, vou virando a página, vou mudando de Moleskine”, conta Paulo Portas. O antigo líder do CDS-PP vai agora virar de página: Será consultor institucional e empresarial na América Latina e Golfo, conferencista, professor universitário, comentador televisivo na TVI, além de consultor na Mota-Engil. Não sabe por onde andará daqui a dez anos, mas diz que entretanto será natural vê-lo numa iniciativa partidária do CDS.
Seguir o que Thatcher dizia
Paulo Portas foi eleito deputado pela primeira vez há 21 anos. A moeda era o escudo, os jornais liam-se em papel e o primeiro-ministro era António Guterres. “Quando chegamos aqui, achamos que a sala do plenário é exígua. E depois com o tempo percebemos que até favorece a cordialidade entre as pessoas. Estamos aqui 230 deputados, cruzamo-nos no plenário, nos corredores, na escada, no café, nos Passos Perdidos”, conta o político que ainda há meses era o mais antigo líder partidário em funções. Essa circunstância – e a confiança que diz ter na nova geração do CDS - levou-o a sair de cena. “Eu sigo um princípio que a senhora Thatcher tinha, mas que não seguiu: se ficarmos muito tempo em cargos de liderança ou perdemos paciência para os outros ou exigência connosco e com os outros”.
Anunciou a saída de líder do CDS-PP a 28 de Dezembro de 2015, despediu-se, emocionado, ao lado da sua sucessora, no congresso em Março e abandona o Parlamento três meses depois. Porque é que não se mantém como deputado? “Se eu ficasse aqui a falar, tirava espaço à Assunção [Cristas], e ficar aqui calado não é muito o meu género”, justifica. A estes soma outro motivo: “Não deixaria de fazer outras coisas ao mesmo tempo e esta [a de ser deputado] não seria a principal, e disso eu não gosto”.
Sem olhar pelo retrovisor
O adeus parece inadiável, mas porventura não será definitivo nem significa um eclipse total. Mantém-se a linha directa para a líder do CDS: “Sempre que a Assunção precisar de falar comigo, falarei, e isso não é notícia”. A relação com o partido vai ser “o mais normal possível”. Os ex-presidentes também podem dar outros contributos: “Se me vir numa rentrée, numa campanha eleitoral, isso é o normal”.
Acresce que este ex-presidente ficou incumbido de pensar como é que o CDS pode transformar a escola de quadros, uma iniciativa que é agora anual, numa formação permanente de jovens. É uma ligação ao partido que mantém, mas que garante ser única: “Quando encerro etapas, não olho para o espelho retrovisor”.
O ex-vice-primeiro-ministro Paulo Portas recusa haver qualquer incompatibilidade com a lei ou com a ética na sua decisão de aceitar ser consultor do grupo Mota-Engil para dar apoio à internacionalização da empresa, em especial na América Latina. "Cumprir as leis da República - e basta lê-las - é uma premissa e não uma questão", afirmou ao PÚBLICO, dizendo que não quer entrar em "querelas políticas", mas que nunca foi "funcionário público" e que volta agora ao sector privado.
O antigo líder do CDS diz que volta para o sector onde começou a trabalhar. "Depois da política volto ao meu espaço natural: o sector privado onde nasci e cresci e tive iniciativa", afirmou, acrescentando que, com a excepção da Universidade Nova (onde será docente), tudo o que fará será "no sector privado ou na sociedade civil". "Se alguns não gostam estão no seu direito, mas eu gosto de trabalhar e não sei mesmo fazer outra coisa", afirma, sublinhando que cumpre "escrupulosamente" a lei.
À luz do regime das incompatibilidades dos altos titulares de cargos políticos, os ex-governantes não podem integrar, nos três anos seguintes após a cessação de funções, “cargos em empresas privadas que prossigam actividades no sector por eles directamente tutelado, desde que no período do respectivo mandato, tenham sido objecto de operações de privatização ou tenham beneficiado de incentivos financeiros ou de sistemas de incentivos e benefícios fiscais de natureza contratual”. É por este articulado que o antigo vice-primeiro-ministro considera não colidir com a lei. A questão, como frisou fonte próxima de Paulo Portas, só se colocaria se o ex-ministro tivesse aceitado um cargo numa empresa directamente tutelada ou que tivesse recebido benefícios de natureza contratual que são os decididos pelo Conselho de Ministros, o que deixa a Mota-Engil de fora.
Se para Paulo Portas a questão legal está arrumada, a dimensão ética da sua nova função também. Mesmo se ainda há menos de um ano tinha o pelouro da diplomacia económica e esteve com a Mota-Engil em missões que liderou no estrangeiro, chegando a assistir à assinatura de um contrato com o grupo no México, em 2014. O antigo vice-primeiro-ministro ressalva que as missões foram todas organizadas pela AICEP (Agência para o Investimento e Comércio Externo), num modelo em que são as empresas que escolhem integrar a missão. Portas sublinha ainda as circunstâncias de igualdade em que puxou por outras empresas de outros sectores, nomeadamente do agro-alimentar.
Lugar vai para crítico interno
Paulo Portas diz que agora "segue aceleradamente para a próxima etapa que é essencialmente dedicada ao sector privado e às questões internacionais". O deputado já pediu a renúncia ao mandato e esta quinta-feira já será substituído por Filipe Anacoreta Correia, que foi seu crítico no partido, mas que o líder centrista recuperou para as listas de deputados nas legislativas de 2015, num lugar com hipóteses de ser eleito.
Ao contrário do que aconteceu em 2005, em que deixou a liderança do CDS, mas em que manteve o lugar de deputado, Paulo Portas escolheu fazer agora um corte com a política activa. Volta ao sector privado onde começou a trabalhar há mais de 20 anos, embora agora com uma perspectiva muito mais diversificada.