Warcraft: sem distinção mas sem desastre
A adaptação ao cinema do popular jogo de computador é um filme de aventuras tolhido pelo caderno de encargos, sem distinção mas sem desastre.
Ponto prévio: não vale a pena os jogadores fiéis de World of Warcraft virem para aqui mandar vir, porque não é do jogo que se está a falar. Calha bem, nós nunca jogámos, o que desvia a atenção para o que realmente interessa: perceber se quem não sabe nada do universo do jogo consegue apreciar Warcraft, e se o filme se aguenta sozinho. A resposta, confessamos com algum alívio, é positiva, e Duncan Jones (que é filho de David Bowie, mas isso não vem aqui ao caso) pode sentar-se ao lado de Gareth Edwards (Godzilla), Colin Trevorrow (Mundo Jurássico) e James Gunn (Guardiões da Galáxia) na fila dos realizadores que conseguiram “dar o salto” para o blockbuster de verão sem “venderem a alma”. A sua leitura de Warcraft propõe uma história convencional mas eficaz, que narra a chegada de uma horda de guerreiros orc ao mundo de Azeroth, e desenha eficazmente as leis da luta entre o bem e o mal neste universo derivativo da heroic fantasy clássica e cheio de referências à “matriz” Tolkien.
É, também, um filme que está muito mais próximo de uma ideia clássica do cinema de aventuras – basta ver como Jones prefere planos mais longos focados nas personagens, fugindo à montagem rápida que é a pecha destes filmes de alta tecnologia, mesmo quando essas personagens são orcs criados por computador sobre performances físicas dos actores. Ou como constrói para cada um dos seus “heróis” um arco narrativo de queda e redenção, dando igual tempo de antena aos dois lados da batalha e evitando o maniqueísmo “humanos bons”/”orcs maus”.
Warcraft não quer ser apenas “mais um” filme de aventuras, o que lhe fica bem, mas é um destino a que o “caderno de encargos” imposto pelo estúdio, e a actual popularidade de fantasias mais sérias como a televisiva Guerra dos Tronos, não lhe permite sempre escapar. Se reconhecemos aqui pontos em comum com os dois filmes anteriores de Jones – O Outro Lado da Lua (2009) e O Código Base (2011), ambos títulos de género que o transcendiam inteligentemente – percebemos também que a “subida de divisão” não dá iguais possibilidades de se desviar do rumo, que o filme tem de cumprir uma série de “figuras obrigatórias” impostas pela indústria. (E o australiano Travis Fimmel não é, decididamente, Sam Rockwell nem Jake Gyllenhaal.)
O que não impede que Warcraft ganhe à distância na comparação com outras produções inspiradas em jogos de computador ou mesmo com muito do blockbuster mecânico que sai hoje da linha de montagem Hollywood. Há um entretenimento desempoeirado aqui dentro, que, sem ser outro Senhor dos Anéis, ganha aos pontos ao triste Hobbit e não desmerece de coisas mais antigas como Krull ou Conan e os Bárbaros – e não nos surpreendia nada que fosse essa a ideia de Jones, cujos filmes anteriores também recordavam um certo cinema popular dos anos 1970 e 1980. Se é ou não fiel ao jogo, quem o joga que diga; como filme, Warcraft aguenta-se, sem distinção mas sem desastre.