Na Tailândia dos generais, um like pode ser crime e um comício não é um comício

A ex-primeira-ministra, Yingluck Shinawatra, reapareceu em público pela primeira vez desde o golpe militar de há dois anos. Mas pouco pode fazer para travar o domínio da junta militar.

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Yingluck à chegada ao Supremo para uma sessão do seu julgamento Chaiwat Subprasom/Reuters

A estética é típica de um comício político. A ex-primeira-ministra tailandesa, Yingluck Shinawatra, pára junto de jovens para tirar selfies e espalha sorrisos e apertos de mão. Mas este não é um acto político. Ou pelo menos não pode ser, visto que desde que foi afastada por um golpe militar há dois anos e acusada de negligência no exercício do seu cargo, Yingluck se viu privada de qualquer direito político.

E, porém, é impossível não ver nas recentes aparições públicas da antiga governante um teor político. Yingluck não pode abordar nenhum tema político, seja a junta militar que controla a Tailândia desde Maio de 2014 ou a nova Constituição que vai a votos daqui a dois meses. Em termos teóricos, a visita da ex-líder à província de Bueng Kan, no nordeste do país, teve como origem um simples concurso realizado no Facebook, explica a BBC.

Mas apesar de todas as limitações impostas à actuação de Yingluck, a ocasião serviu para medir o apoio que o seu partido, o Pheu Thai (Os Tailandeses Amam a Tailândia), ainda recolhe nos seus bastiões rurais. A BBC compara a recepção de Yingluck – irmã de outro ex-primeiro-ministro, Thaksin, exilado no Reino Unido – à de uma “estrela rock”.

A questão que se coloca é o que poderá Yingluck fazer com este capital político que ainda mantém. A ex-primeira-ministra está a ser julgada pelo crime de negligência durante o seu mandato, pelo qual pode ser punida com uma pena de dez anos de prisão, e tem os seus direitos políticos suspensos durante cinco anos. O caso movido contra Yingluck é visto pelos seus apoiantes como uma forma de os militares afastarem possíveis ameaças ao seu poder.

Desde Maio de 2014 que a Tailândia é controlada por uma junta militar que tem reforçado os seus poderes e reprimido a liberdade de expressão, ao mesmo tempo que vai prometendo e adiando sucessivas eleições, que impedem o país de regressar à via democrática. Agora, tudo parece estar dependente de um referendo marcado para 7 de Agosto para que uma nova Constituição seja aprovada. Mas os militares liderados pelo general Prayuth Chan-ocha proibiram qualquer campanha contra o documento e não foi revelado o que pode acontecer caso o texto não recolha a maioria dos votos.

O Conselho Nacional para a Paz e a Ordem, nome oficial pelo qual é conhecido o governo militar, é acusado de reprimir qualquer indício de contestação – uma situação que se tem agravado e que tem causado receios mesmo entre uma população acostumada a golpes militares (foram 12 nos últimos 80 anos). Segundo a organização não-governamental Human Rights Watch (HRW), desde que tomaram o poder, os militares detiveram para interrogatório mais de 1300 pessoas, que foram envolvidas numa prática denominada “ajustamento de comportamento” – vários dias de interrogatórios numa base militar.

“Os Estados Unidos têm o Patriot Act para lidar com a situação após o 11 de Setembro. Isto é o mesmo”, dizia o major-general e porta-voz do governo Werachon Sukondhapatipak, citado pelo Global Post. Em tom de brincadeira, o general Prayuth chegou a dizer que os jornalistas críticos das forças armadas deveriam ser executados.

Poderes quase absolutos

Desde Abril do ano passado que o líder militar passou a concentrar em si poderes quase absolutos. Mais recentemente, os militares a partir da patente de subtenente passaram a assumir amplas competências em termos policiais. Segundo o jornal The Guardian, entre os poderes extraordinários estão a possibilidade de confiscar bens, suspender transacções financeiras e impedir suspeitos de viajar.

Uma das primeiras medidas tomadas pela junta militar foi a proibição de aglomerações públicas de cinco ou mais pessoas. Em tom de desafio, os estudantes universitários começaram a organizar piqueniques, durante os quais alguns acabaram por ser detidos por “comerem sandes com objectivos políticos”.

A Internet é outra das áreas que os generais tailandeses querem controlar. O governo tem tentado convencer empresas como o Facebook a remover conteúdos que considerem ofensivos para a monarquia ou que atentem contra a paz e a ordem. No último mês, oito pessoas foram acusadas de sedição por terem partilhado naquela rede social imagens do general Prayuth acompanhadas de legendas satíricas. Segundo a HRW, a junta militar considera que o simples acto de fazer “gosto” numa página considerada ofensiva pode resultar numa acusação.

O quadro político em que a Tailândia está mergulhada pode tornar-se ainda mais complexo na eventualidade da morte do rei Bhumibol Adulyadej, hospitalizado há cerca de um ano. Numa sociedade muito dividida, o monarca de 88 anos, dos quais setenta no trono, é um dos poucos factores de união e há receios de que a sua morte possa servir de justificação para que os generais tomem a última instância de poder que ainda não dominam.

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