Três noites para descobrir a que soa o jazz em Portugal
Entre quinta-feira e sábado, a SMUP, na Parede, recebe a mostra de jazz português Desvio, a pretexto da reunião magna da European Jazz Network.
Na qualidade de editor e programador, Pedro Costa foi ao longo dos anos convidado com frequência a estar presente em festivais que se propunham apresentar uma montra do jazz produzido localmente. Em cada uma das ocasiões deu consigo a pensar: “Mas nós em Portugal temos músicos melhores e mais interessantes do que isto, e podemos também organizar uma coisa melhor e com menos dinheiro.” A recorrência deste pensamento foi preparando o caminho para a mostra Desvio, três dias de uma intensiva programação de jazz português a ter lugar entre esta quinta-feira e sábado na Sociedade Musical União Paredense (SMUP), na Parede (concelho de Cascais), do jazz mais mainstream e afecto às canções (Ricardo Toscano Quarteto e João Hasselberg) à experimentação no arame (Rodrigo Amado Motion Trio, RED Trio ou Vicente / Marjamäki), chamando ainda nomes obrigatórios da actual cena portuguesa como Susana Santos Silva, Hugo Carvalhais, Sei Miguel, Gabriel Ferrandini, Luís Lopes, Filipe Felizardo ou Pedro Sousa.
O impulso final para a concretização do festival montado por Pedro Costa viria da conversa com um membro da direcção da European Jazz Network (associação que agrupa 106 organizações de 31 países), enquadrando-se a edição inaugural do Desvio no contexto da reunião magna anual da EJN e assumindo, assim, este propósito de montra do jazz português para um público de programadores e críticos internacionais, embora aberta também ao público geral. Pensado para acolher um conjunto de concertos “de variedade com qualidade” e enquanto “mostra real do melhor que se faz por cá”, o Desvio pretende lançar as bases para uma internacionalização sustentada dos músicos de jazz portugueses, procurando soluções no lugar dos queixumes habituais.
Se Pedro Costa defende ser “preciso criar uma organização que julgue as propostas [de internacionalização] e consiga ser um intermediário entre as partes”, delega também nos músicos parte da responsabilidade para ultrapassar as fronteiras e partir para o exterior. “Gostava que estes convidados internacionais me viessem dizer que gostaram muito da música e que gostariam de contratar no futuro alguns destes projectos”, diz. Mas diz também que “gostava de assistir a uma união real dos músicos em busca de um objectivo comum que os servisse, assim como aos agentes, às editoras, etc.”
O saxofonista Pedro Sousa, presente enquanto membro do trio que o junta a Miguel Mira e Afonso Simões mas também no trio de Gabriel Ferrandini, concorda que o objectivo do Desvio passará por uma forma de “reforçar os laços entre os músicos” e de estreitar relações com outros agentes que, muitas vezes, se constroem por email ou por telefone. “Isso é importante porque, apesar de tudo, esta é uma música muito humana, é música viva, que depende muito da interacção não só com o público mas também os outros performers”, defende. E conclui dizendo que “não é todos os dias que temos três dias de jazz, em frente à praia, com todos os géneros presentes”.
Reacções em cadeia
A internacionalização dos músicos portugueses passa não apenas por uma decisão artística, de contacto com instrumentistas provenientes de outros backgrounds e com diferentes percursos, mas também por uma questão de sustentabilidade de uma carreira, dificilmente atingível no exíguo mercado português. A ponta do véu sobre o interesse exterior e o reconhecimento das propostas de alguns destes músicos, no entanto, já está levantada,se olharmos para os exemplos de Rodrigo Amado, Susana Santos Silva ou Luís Vicente. Na SMUP, pretende abrir-se mais essa janela de interesse – que também já toca actualmente Pedro Sousa. O álbum Casa Futuro, documento do trio em que actua com Ferrandini e o contrabaixista sueco Johann Berthling, foi recebido com a classificação máxima de 5 estrelas no influente site norte-americano All About Jazz.
O saxofonista, que diz conhecer festivais similares do Desvio Europa fora - ainda que ignore os seus “resultados práticos” –, fala de um processo de chegada aos circuitos internacionais progressivo mas lento, dependente, em grande parte, do boca-a-boca entre músicos e de pequenos ganchos em cadeia como aqueles que permitiram que o seu final de 2015 se fizesse a tocar ao vivo na Dinamarca, na Suécia e em Itália. O facto de partilhar Casa Futuro com Berthling, figura destacada da formação Fire! Orchestra, e de o álbum ter sido publicado pela portuguesa Clean Feed (distinguida repetidas vezes como uma das melhores editoras mundiais de jazz contemporâneo), desperteria a atenção do All About Jazz e, de seguida, a crítica abriria portas a datas europeias, etc.
Tanto o projecto Casa Futuro quanto o trio que Sousa apresenta esta quinta-feira à noite na SMUP significam para o músico uma fase de estabilização. Até há pouco tempo, o músico que tocou e gravou também com o guitarrista dos Sonic Youth Thurston Moore, transitava entre formações episódicas, dividindo-se entre sonoridades rock, noise, electrónica e jazz. “Agora senti a necessidade de ter uma banda que pudesse controlar e com a qual pudesse desenvolver um trabalho em conjunto mais regular”, afirma. “Quis também virar-me mais para uma linguagem que se aproximasse do jazz.”
E o jazz, como o Desvio bem o demonstrará com uma bateria de 13 concertos em três dias, pode ser muitas e entusiasmantes coisas.