A Clean Feed faz anos e Eric Revis faz a festa

Em 15 anos de edições, a portuguesa Clean Feed tornou-se uma das editoras fundamentais do jazz mundial. A comemoração de mais de 400 discos dados ao mundo faz-se esta quarta-feira com um concerto do Eric Revis Trio.

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EMRA ISLEK

A 16 de Março de 2000, a editora portuguesa Clean Feed nascia para documentar o concerto dos Implicate Order no Seixal Jazz. Ao trio da cena nova-iorquina formado por Steve Swell, Ken Filiano e Lou Grassi, juntavam-se os saxofonistas portugueses Rodrigo Amado e Paulo Curado. Depois de aquecidos por duas noites no Hot Clube de Portugal, os músicos encontrar-se-iam novamente no Seixal para registar o primeiro álbum dos mais de 400 que hoje compõem o notável catálogo da Clean Feed. Desde o primeiro ano de edições (2001), tornou-se evidente o forte investimento da editora numa afirmação internacional, ao mesmo tempo que, em 2002, ficavam fixados em disco vários nomes fundamentais do jazz português – Bernardo Sassetti, Mário Delgado, Lisbon Improvisation Players (Amado, Curado, Marco Franco, Pedro Gonçalves e Acácio Salero) e Telectu (Jorge Lima Barreto e Vítor Rua).

O crescimento foi meteórico e surpreendente para uma aventura periférica (Portugal não estava propriamente no centro do universo jazzístico), tendo a Clean Feed, em 2012, sido nomeada pelo quarto ano consecutivo melhor editora de jazz mundial nos prémios da Associação de Jornalistas de Jazz, sediada em Nova Iorque. Foi logo em 2003, com a edição de um álbum que hoje se pode considerar um clássico da casa, Devils Paradise, do baterista Gerry Hemingway, que os ouvidos mundo fora perceberam que algures em Lisboa havia um pequeno grupo de idealistas a cativar e a lançar álbuns dos mais relevantes músicos do jazz e da música improvisada em actividade. Com um ritmo editorial assombroso, causaria sensação o conjunto de gravações de dois pesos-pesados, Anthony Braxton e Joe Morris, para assinalar em 2008 o número 100 do catálogo.

Há muito, portanto, que a Clean Feed deixou de ser uma excentricidade de uns quantos apaixonados pelo jazz para se afirmar como uma das editoras que os músicos da área mais procuram em busca de uma casa e de reconhecimento mundial. Em 2011, ano em que o contrabaixista Eric Revis se cruzou com o principal rosto da editora, Pedro Costa, no Festival de Jazz de Liubliana, o catálogo acabava de acolher novos registos de mais um rol de músicos de primeira linha como Tony Malaby, Gerry Hemingway, Tim Berne, Carlos Bica, Ellery Eskelin, Scott Fields, Dennis González, Marty Ehrlich ou Kris Davis.

A proximidade de Revis à pianista canadiana Kris Davis, assim como a sua participação no Avram Fefer Trio, que lançara também em 2009 pela Clean Feed, levou-o a propor alguns projectos a Pedro Costa. E não seriam coisa modesta. Eric Revis afirmara-se na cena do jazz enquanto membro do reputado Brandford Marsalis Quartet (formação que integra há 18 anos) e notabilizava-se já por uma amplitude estilística de criar dores nos rins só de assistir à facilidade com que transita entre a abordagem mainstream de Kurt Rosenwinkel e o vanguardismo seminal de Peter Brötzmann. Para edição pela casa portuguesa, Revis propunha então “apenas” um quarteto em que comandava três gigantes do jazz mundial – Jason Moran, Ken Vandermark e Nasheet Waits – no grupo 11:11 e o seu trio com Kris Davis e Andrew Cyrille, registos que integrariam o valoroso património da Clean Feed em 2012 e 2013.

Cabe precisamente ao Eric Revis Trio abrilhantar esta noite, na Sociedade Musical União Paredense (SMUP), Parede, a festa de aniversário da Clean Feed.

Regresso ao futuro

Eric Revis acaba de lançar mais um álbum do seu trio na mais recente fornada da Clean Feed, um registo intitulado Crowded Solitudes, no qual é acompanhado por Kris Davis (piano) e Gerald Cleaver (bateria) – esta quarta-feira na SMUP e sexta-feira no Festival de Jazz de Portalegre, Cleaver será substituído por John Betsch.

A sua decisão de se juntar à Clean Feed é tão mais significativa quanto Revis confessa ao PÚBLICO não ser um músico prolífico e afirma acreditar que cada gravação deve cumprir o propósito de “documentar a viagem”. “Há quem lance discos de dois em dois ou de três em três meses, mas são essencialmente os mesmos discos, ainda que possam incluir pessoas diferentes. Não demonstram crescimento. E eu gosto da ideia de documentar o crescimento pessoal e do grupo.”

Tendo começado por acompanhar a lendária cantora Betty Carter em meados dos anos 90, foi com Brandford Marsalis – “o Brandford é como família”, diz – que Revis começou a definir a sua identidade. Essa identidade assenta num lema que o contrabaixista carrega para toda a sua música: back to the future. Não porque esteja a pensar no filme protagonizado por Michael J. Fox, naturalmente, mas porque acredita que é no passado que se descobre a modernidade. “Ao olhar para trás e ver o que se fazia antes”, explica, “fui descobrindo que quanto mais recuava mais moderna era a música que encontrava. Lembro-me de ouvir o Jelly Roll Morton e pensar, ‘Bolas, isto é tudo’. Não se pode ser mais moderno do que o Coleman Hawkins ou o Lester Young.”

Ao contrário da maior parte das pessoas , que tende a concentrar-se nas diferenças entre músicas sem afinidades óbvias, Eric Revis descobre semelhanças em toda a história da música: Brötzmann soa-lhe vizinho de Hawkins, Fats Waller ou Jelly Roll sugerem-lhe uma tal modernidade que os integrou no reportório do grupo 11:11 com que gravou Parallax, fascina-se com “o quão funky é Duke Ellington ou o quanto os Parliament swingam”. Nem todo o passado é velho, nem todo o presente o deve esquecer.

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