Estamos mais gordos do que pensávamos. Dois terços dos adultos têm excesso de peso

Primeiro inquérito nacional de saúde com exame físico comprova elevada prevalência de doenças crónicas na população adulta.

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A prevalência de obesidade surpreende e alarma os especialistas Paulo Pimenta

É indesmentível: uma parte significativa da população adulta em Portugal tem excesso de peso ou é mesmo obesa. Cerca de dois terços das pessoas pesadas e medidas no primeiro inquérito nacional de saúde com exame físico, em 2015, tinham um índice de massa corporal igual ou superior a 25 kg/m2, o que corresponde a excesso de peso, e 28,7% eram já obesas. São dados preliminares do primeiro estudo de âmbito nacional realizado com esta metodologia que vão ser apresentados esta terça-feira em Lisboa e que suplantam em muito os resultados de inquéritos anteriores.

A prevalência de obesidade surpreende e alarma a endocrinologista Isabel do Carmo, que conduziu dois estudos sobre este problema em 2004 e 2008 e que frisa que o resultado agora conhecido corresponde ao dobro do encontrado nessa altura. “Há uma grande subida na obesidade. É brutal. Estamos ao nível da Inglaterra”, lamenta Isabel do Carmo, que associa este resultado ao ”tipo de vida” que os portugueses fazem e acredita que a crise económica contribuiu para agravar a situação. “Isto é o espelho da crise, a comida barata é hipercalórica”, acentua.

Cauteloso, Pedro Graça, director do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável, assume que os números são, de facto, substancialmente mais elevados do que seria de esperar, mas nota que o anterior inquérito nacional de saúde (de 2014) se baseava apenas nas declarações dos inquiridos (auto-reporte) e incluía jovens desde os 18 anos (ao contrário deste, que incidiu sobre uma amostra representativa de 4911 pessoas dos 25 aos 74 anos), pelo que não podem ser comparados. Pedro Graça nota também que os dados são ainda preliminares. No inquérito de 2014, a prevalência de obesidade era de 16,4%. “O que é auto-reportado é sub-reportado. As pessoas acham que são mais magras e mais altas”, explica.

Mas os resultados deste primeiro inquérito nacional de saúde — que, além da clássica entrevista, incluíram um exame físico (com medição da tensão arterial, peso, altura e perímetros da cintura e anca) e colheita de sangue para análises — são muito mais abrangentes. Além de proporcionarem uma visão do estado de saúde da população, dos seus comportamentos de risco e de protecção para a doença, os indicadores permitem perceber a adesão aos cuidados de saúde preventivos. 

Olhando para o manancial de resultados preliminares, conclui-se que é, de facto, elevada a prevalência de algumas doenças crónicas, não só a obesidade, mas também a hipertensão (36% dos inquiridos apresentam valores superiores aos ideais), a diabetes (9,8% tomam antidiabéticos ou têm diagnóstico de diabetes), a hipercolesterolémia (52,3% tinham um colesterol superior a 190mg/dl).

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Para o investigador principal, Carlos Matias Dias, do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (Insa), a elevada prevalência de algumas doenças crónicas não constitui novidade. O que o coordenador do Departamento de Epidemiologia do Insa destaca é a desigualdade entre regiões e as diferenças socioeconómicas que os dados demonstram. São geralmente as pessoas com menos instrução e com actividade não remunerada ou sem actividade que apresentam os valores mais desfavoráveis, quer em termos de doenças, quer nos determinantes, sublinha.

Um terço dos homens assume binge drinking

Os homens revelam prevalências mais elevadas do que as mulheres no caso da hipertensão arterial (39,6% contra 32,7%) e da diabetes (12,1% contra 7,7%). E, apesar de haver mais mulheres obesas (32,1% do total), o excesso de peso e a obesidade abdominal (também medida por constituir um importante factor de risco para doenças cardiovasculares) são mais frequentes na população masculina. 

A prevalência destas doenças aumenta também com a idade. Os valores mais elevados verificam-se entre os 65 e os 74 anos (nesta faixa etária 71,3 dos inquiridos são hipertensos, 41,3%, obesos, enquanto 23,8% sofrem de diabetes).

Comparando as sete regiões do país, é no Norte que se encontram os valores mais elevados de hipertensão arterial e de obesidade, enquanto os Açores apresentam piores indicadores na prevalência de diabetes. As diferenças encontradas são importantes para a priorização das intervenções no terreno, sublinha, a propósito, Carlos Dias.

Nos determinantes de saúde, 79,3% dos inquiridos afirmaram consumir fruta diariamente, enquanto 73,3% comiam legumes ou vegetais pelo menos uma vez por dia. Mas no grupo mais jovem a prevalência destes consumos é bem inferior, tal como o é na população desempregada. Já o sedentarismo nos tempos livres é declarado por 44,8% da população entrevistada. Cerca de um terço afirmava que praticava, pelo menos uma vez por semana, actividade física "de forma a transpirar ou sentir cansaço".

A merecer também destaque surge a elevada percentagem de homens, 33,8%, que assume ter tido um "consumo perigoso de álcool" (binge drinking), percentagem essa que no grupo mais jovem sobe para 51,9%. Aqui, curiosamente, são os indivíduos com escolaridade mais elevada que admitem o consumo excessivo e pontual de álcool.

Quanto ao consumo do tabaco, este é reportado por 28,3% dos homens e 16,4% das mulheres, observando-se prevalências mais elevadas nos grupos mais jovens. A exposição ambiental ao fumo do tabaco afectava 12,8% dos inquiridos.

Nos comportamentos preventivos, percebe-se que a maior parte das mulheres entre os 50 e os 69 anos (94,8%) tinha feito uma mamografia nos dois anos anteriores à entrevista e que 86,3% fizera uma citologia cervico-vaginal nos três anos anteriores. Mas a pesquisa de sangue oculto nas fezes, exame preconizado para o rastreio do cancro colorrectal, apenas tinha sido efectuada por 45,7% dos entrevistados.

Outro dado curioso: nos 12 meses anteriores à entrevista, um pouco mais de metade da população estudada (51,3%) disse ter consultado um profissional de saúde oral.

Sublinhando a importância deste inquérito, que é "centrado no cidadão em vez de ser centrado na doença", Raquel Lucas, do Departamento de Epidemiologia Clínica e Medicina Preditiva do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, observa que os dados confirmam que há indicadores que estão a melhorar, como o da pressão arterial, graças ao acesso ao tratamento, ao contrário do que acontece com outros. “Tem melhorado o que se corrige com fármacos, mais do que o que se corrige com comportamentos, como a obesidade”, acentua.

“Esta é uma primeira abordagem já com a preocupação de mostrar a diferença entre homens e mulheres e entre regiões e as desigualdades que poderão ser colmatadas pelo sistema de saúde”, sublinha ainda a investigadora, que vai ficar a aguardar por mais dados. A pergunta seguinte, propõe, é a de saber quantas destas assimetrias regionais resultam da organização dos cuidados de saúde.

Este inquérito foi promovido e desenvolvido pelo Insa e as sete regiões de saúde do país em parceria com o Instituto Norueguês de Saúde Pública. Com um orçamento total de um milhão e meio de euros, foi financiado em 85% pelo Programa Iniciativas em Saúde Pública (EEA Grants), sendo o restante da responsabilidade do Ministério da Saúde.

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