Polónia – discriminação

Não tenho razões, nem o direito, para admitir que a jornalista Ana Cristina Pereira recebeu muitos depoimentos positivos e desprezou-os.

1. A queixa do leitor

No passado dia 10.5.2016, o leitor Pedro Silva enviou-me esta mensagem a propósito do artigo “Polónia: não é preciso ser muçulmano para ser vítima de islamofobia”, publicado no PÚBLICO, a 8.5.16, (pp. 28 e 29), assinado pela jornalista Ana Cristina Pereira.

Escreve o leitor Pedro Silva: “Na qualidade de cidadão responsável, atento e, acima de muita coisa, amante da Liberdade Expressão, venho, por este meio, expor uma queixa contra a jornalista Ana Cristina Pereira.

A Liberdade de Imprensa nunca poderá ser confundida com a calúnia, mentira, manipulação e com a contra-informação. Todos estes factos, para além de enganarem o leitor, poderão ter consequências graves para a paz e para a sã convivência entre os cidadãos e entre os povos”. (…)

“Ana Cristina Pereira recebeu, também, muitos testemunhos positivos sobre a estada de portugueses na Polónia, no entanto, preferiu ignorá-los, referindo-se a eles como uma espécie de nota de rodapé na reportagem. 

Escrevi-lhe 3 vezes, fazendo-lhe uma sugestão para que o seu artigo fosse mais abrangente e que explanasse diferentes visões dos portugueses que viveram ou vivem nesse país. Ignorou-me completamente, assim como o fez com outras pessoas cujos testemunhos não iam ao encontro das motivações ideológicas da jornalista.” 

(…) “Artigos como o desta senhora são motivadores de uma xenofobia contra a Polónia e contra os polacos completamente injustificada como já se pôde verificar em muitos comentários de leitores do vosso jornal”. “É um jornalismo parcial que nós desejamos? Ou pelo contrário, é um jornalismo imparcial que expõe os dois lados da "barricada" para que os leitores possam retirar as suas ilações?” (…)

NOTA: Como o leitor facilmente constatará cortei todas as invectivas em relação à personalidade ou qualidades profissionais. Sinceramente, além de não as subscrever, não me parecem que tenham lugar na discussão objectiva deste diferendo.

 

2. Explicação da jornalista Cristina Pereira

Obviamente, solicitei à jornalista Ana Cristina Pereira que comentasse esta missiva do leitor.

Responde Ana Cristina: “Espero que esta coisa de expor queixas contra mim não se torne uma moda, atendendo ao modo como o meu nome vem sendo referido nas suas crónicas nas últimas semanas. Na sequência de notícias anteriores, pareceu-nos fundamental esclarecer os leitores sobre a existência ou não de racismo e xenofobia na Polónia.

Entre 2 e 6 de Maio, tentei chegar a portugueses que vivam ou tenham vivido naquele país para perceber até que ponto e de que forma estavam ou não a ser afectados por essas formas de intolerância. Um pedido de contactos propagou-se pelo PÚBLICO, por departamentos de mobilidade de várias faculdades da Universidade do Porto e por dois grupos do Facebook, o “Comunidade Portuguesa na Polónia” e o “Estágios do Jornalismo Porto Net”. E recebi dezenas de mensagens no mail do Público. Falei com várias pessoas por telefone, chat e e-mail. No grupo “Comunidade Portuguesa na Polónia”, a propósito do meu pedido desenvolveu-se um debate. Vi que estava a acontecer, que tinha tomado uma direcção bizarra, não participei. Houve quem me acusasse de sensacionalismo mal leu o meu pedido. Alguns, brancos, diga-se, revelaram grande necessidade de negar a existência de racismo e xenofobia, apesar de terem ali pessoas, negras e não só, que testemunhavam o contrário. Um deles, porventura o mais activo, escreveu-me para a minha conta do Facebook (e não para a do jornal, o contacto que estava no pedido) a aconselhar-me a esquecer esse assunto e a fazer um artigo sobre o bom que é viver na Polónia. Atendendo aos comentários que fizera a meu respeito, nem lhe respondi.

Como previa, esse senhor reagiu mal ao artigo “Polónia: não é preciso ser muçulmano para ser vítima de islamofobia”. Tornou a fazer comentários a meu respeito, tornou a tentar contactar-me, desta vez em modos que me recuso a reproduzir. Eu tornei a não responder. Como tudo isto me estava a causar grande perturbação: bloqueei-o. Ele expressou as opiniões dele na caixa de comentários do Público. Agora escreveu-lhe a acusar-me de fazer um "artigo faccioso, politicamente motivado, que não reflecte a opinião dos interessados" por ter dado voz a quem é vítima de racismo e ou xenofobia e a exigir um artigo escrito por mim “que exponha o bom tratamento que muitos portugueses tiveram e têm na Polónia por parte dos polacos”. (…)

Eu não vou responder a esse senhor. Sei que quer dizer que ele, branco, não sofreu racismo ou xenofobia na Polónia, e que há muitos como ele. Há, com toda a certeza. O que não invalida o facto de haver outros portugueses com experiência diferente.  Ele defendeu, no referido debate, que portugueses não brancos, como o que surge no início do meu texto, são "especiais". E insistiu nisso.  Insistiu na negação do racismo e na xenofobia. E no ataque a quem os denuncia. Que posso fazer, além de ignorar?” (…)

 

3. Comentário do provedor

1. Lamento, em primeiro lugar, que estas diferenças de opinião não sejam encaradas com uma leitura e interpretação mais objectivas, sem entrar pelo lado do melindre fácil e de ofensas mútuas. Não tenho consciência que o nome da Ana Cristina, “se tenha tornado uma moda” na página do provedor, ou sequer tenha sido referido repetidas vezes. Aliás, que eu tenha registado, o seu nome veio apenas citado por motivo do diferendo com a jornalista Diana Duarte, da RTP, mas, como sabe, pelas razões invocadas eu neguei-me a analisá-lo. Constato que entre si e o leitor Pedro Silva há um relacionamento pessoal e, igualmente, melindroso.

2. Estamos perante um tema de reportagem complexo, complicado e muito delicado. Aliás, julgo, ser esse apenas o sentido da Ana Cristina Pereira: fazer uma reportagem que evidencie epifenómenos, fragmentos de situações que ressalvem tendências de xenofobismo e racismo, presentes em certas camadas da população polaca. Julgo que, por isto e só isto, não pretende caracterizar comportamentos gerais de um povo. Não é esta a interpretação do leitor Pedro Silva que lê no texto da Ana Cristina a defesa da tese antagónica: ou seja, Ana Cristina Pereira advoga a prevalência da existência de manifestações de racismo e xenofobia.

3. Relendo a reportagem de Ana Cristina, eu registei quatro depoimentos a denotar comportamentos rácicos, e um ou dois sem dar grande relevo a essas manifestações xenófobas como relevantes. É verdade que a Ana Cristina que recebeu dezenas de e-mails através de várias faculdades da Universidade do Porto e por via do grupo Facebook da Comunidade Portuguesa na Polónia. Mas a verdade é que, e bem, não fundamentou o seu trabalho em depoimentos deste género.

4. Ao contrário do que afirma, na sua queixa, o leitor Pedro Silva, não tenho razões, nem o direito, para admitir que a jornalista Ana Cristina Pereira recebeu muitos depoimentos positivos e desprezou-os. Alimentar as divergências de opinião e suscitar o contraditório pelas diferentes posições assumidas vivifica o jornalismo, fomentar invectivações mútuas entre jornalistas e leitores não me parece ser missão do provedor. 

 

Nota da Direcção Editorial

"A propósito de uma queixa de uma jornalista da RTP sobre uma notícia de uma suposta agressão a um estudante português na Polónia, a Direcção Editorial gostaria de dar nota do seguinte:

1. Apoiámos as decisões dos editores e jornalistas que trataram o caso a que a jornalista da RTP aludiu; publicámos a 26 de Abril a primeira notícia sobre a história em causa, considerando que ela respeitava integralmente a deontologia profissional e o interesse público; contrariamente ao que é dito na queixa, a fonte directa e as fontes indirectas estão bem identificadas e houve um esforço de verificação de informação. Sublinhamos que a cobertura do PÚBLICO não se esgotou nessa pequena notícia e o mesmo entendimento da DE se aplica a todo o trabalho subsequente (27/04, 6/05 e 8/05) que fomos publicando sobre as denúncias da suposta agressão, o eco que o caso teve no Parlamento Europeu, as incongruências do depoimento do estudante e ainda a questão mais vasta da existência de actos de cariz xenófobo ou racista na Polónia;

2. Pelas razões expostas, entendemos que a queixa que a jornalista da RTP remeteu ao provedor não tem fundamento."

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