Uma parte da Índia ainda resiste a Modi

Três estados estão a votar na Índia. Dificilmente trarão os resultados de que o primeiro-ministro precisa para avançar com as reformas com que se comprometeu.

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ARUN SANKAR/AFP

A roda no centro da bandeira indiana é um símbolo muito apropriado, mas a política da maior democracia do mundo às vezes gira muito devagar, apontava recentemente a revista Economist. No ano passado foi o estado de Bihar às urnas, para mal dos pecados do primeiro-ministro Narendra Modi, cujo Bharatiya Janata Party (BJP) sofreu ali uma derrota. Bengala Ocidental e Assam também já votaram em Abril e início de Maio, e hoje será a vez dos estados de Kerala, Tamil Nadu e de um pequeno território chamado Pondicherry – os resultados do escrutínio nestes cinco estados só serão conhecidos a 19 deste mês.

Modi foi eleito, em 2014, com o maior apoio eleitoral em três décadas, mostrando que consegue entrar em zonas do país onde o partido não tinha antes apoios. Mas a sua vitória não incluiu a Rajya Sabha, a câmara alta do Parlamento, na qual os membros são escolhidos pelas assembleias estaduais. É por isso que é particularmente importante para o BJP vencer as eleições locais de forma a poder avançar com as reformas com que se comprometeu – sobretudo depois de ter perdido o Bihar (onde mais de 100 milhões de pessoas vivem com menos de dois dólares por dia, e onde há os níveis de iliteracia mais elevados e a maior taxa de crianças malnutridas do país).

A vitória de Modi nas legislativas levou investidores estrangeiros a canalizar dinheiro para a Índia, esperando ver concretizadas as políticas que o chefe do Governo anunciara durante a campanha. Mas a legislação que o BJP quer aprovar nem sempre passa na câmara alta, dominada pela oposição. Foi o que aconteceu com as reformas que pretendeu introduzir para facilitar a aquisição de terra para projectos comerciais, uniformizar as taxas praticadas no país, ou flexibilizar as leis laborais.

Uma das excepções foi a aprovação, na quinta-feira passada, da primeira lei sobre a falência: a Índia é uma das potências económicas mais lentas a resolver as situações de insolvência (os credores tinham uma taxa de recuperação de insolvências de 25%, comparada com os 77% dos países com rendimentos mais elevados, de acordo com o Banco Mundial). A reforma permitirá aos bancos resolver de forma mais imediata o problema das empresas que declaram insolvência, podendo assim reaver mais facilmente o crédito malparado. A lei foi aprovada numa altura em que se discute a extradição para a Índia do ex-magnata Vijay Mallya, depois do colapso da sua Kingfisher Airlines, que deixou uma dívida aos bancos de 1300 milhões de dólares.

O partido de Modi pode levar para estas eleições alguns trunfos. A Índia teve o crescimento mais acelerado das potências emergentes, com 7,5% em 2015 (tinha crescido 6,9% no ano anterior). A economia indiana é a 11ª do mundo, e algumas estimativas apontam para que se torne na terceira, depois dos EUA e China, em menos de 15 anos.

Mas como referia o Guardian em Fevereiro – num artigo intitulado “Agora que a Índia está a crescer depressa, está na hora de actualizar a imagem gasta do país” –, o que significará realmente esta emergência? “O crescimento não será certamente linear nem uniforme”, tal como o não é a própria Índia, adiantava; e o próprio modelo que serviu para traçar essa projecção económica é considerado por alguns como “demasiado generoso”.

O mesmo jornal também ressalvava que o PIB não é suficiente para descrever a realidade no terreno,onde há problemas gigantes para resolver: “Infra-estruturas desadequadas, um défice de preparação que facilmente poderá tornar 'o dividendo demográfico' de uma população jovem numa desigualdade crescente, dívida maciça, impasse político, fraco estado de direito, má governação e uma degradação ambiental horrenda”.

Entretanto, os passos dados por Modi pretendem consolidar o apoio das zonas rurais (70% da população de 1,3 mil milhões) até às legislativas de 2019. Para isso prometeu duplicar os rendimentos dos agricultores em cinco anos, e fortalecer o investimento em projectos de irrigação e estradas. “É uma mudança estratégica, ainda que arriscando alienar a sua base de apoio tradicional”, comentou recentemente ao Washington Post A.K. Verma, director do Centro de Estudos Sociais e Políticos. “O BJP está a concentrar-se em 2019 – não quer correr riscos”.

Para além das políticas económicas, a questão religiosa tem um grande peso nas eleições locais (tem um grande peso em praticamente tudo da vida indiana, na verdade). Modi é um produto de um parente próximo do BJP, o Rashtriya Swayamsevak Sangh (RSS), um grupo extremista que defende uma Índia predominantemene hindu, recorrendo à violência quando considera ser preciso. Esta proximidade ideológica é vista como uma ameaça para os 170 milhões de muçulmanos do país (14% da população).

O primeiro-ministro (que era chefe do estado do Gujarat quando, em 2002, mil muçulmanos foram mortos por grupos hindus) tem lançado uma retórica apaziguadora. Mas não tem detido o BJP quando tenta impor a sua agenda nacionalista nos estados onde governa. Em alguns deles foi imposta a proibição de comer carne de vaca, um animal sagrado para os hindus, mas que faz parte dos hábitos alimentares de muçulmanos e cristãos (e quando correu o boato de que um homem muçulmano no Maharastra rompeu a proibição, foi linchado por cerca de 200 pessoas). Em Março do ano passado, por exemplo, um alto responsável do partido, Subramanian Swamy, afirmou que ao contrário dos templos, as mesquitas não são locais sagrados e como tal podem ser demolidas.

Não é só o BJP que tem muito a perder – ou a ganhar – nas eleições estaduais. O partido do Congresso tem o seu destino ainda mais em jogo, depois da derrota estrondosa nas legislativas de 2014. Rahul Gandhi, de 45 anos, e o presumível herdeiro do partido que ainda é formalmente presidido pela mãe, Sonia Gandhi, aprendeu alguma coisa com isso. No ano passado já abriu uma conta no Twitter, falava mais a partir do Parlamento, andou pelo país em conversas com as populações locais. Ou seja, tentou criar a imagem de um político capaz de rivalizar com Modi. E fez uma viragem à esquerda na política defendida pelo partido.

Mas em dois dos estados que vão hoje a votos, é pouco provável que qualquer destes dois partidos consiga clamar vitória. No Tamil Nadu (no Sul), a antiga estrela de cinema Jayaram Jayalalitha já vai no seu quinto mandato. “O Tamil Nadu é um país estrangeiro: lá fazem as coisas de maneira diferente”, escrevia na semana passada a revista indiana Outlook. “As pessoas chegam até a perguntar 'Modi quem?', ou 'BJP quê?'” Se no Bihar a oferta de bicicletas pode ter granjeado alguns votos, no Tamil Nadu será preciso oferecer motorizadas. “Aqui tudo é superlativo – desenvolvimento, ambição, subornos, corrupção, pobreza, luvas a políticos”.

Um industrial importante queixava-se à Outlook que as coisas ficaram mais difíceis nos últimos cinco anos (houve uma queda de 12% na economia do Estado), com a corrupção à cabeça. Antes, sabia-se a quem subornar e para fazer o quê, e o trabalho ficava feito. Agora, os subornos vão para um buraco negro centralizado e não há ninguém a quem recorrer para que o trabalho seja feito. É por isso que as multinacionais automóveis estão a deixar o Tamil Nadu, explicou. Os industriais queixam-se que Jayalalitha não se reúne com eles. Mesmo assim, e apesar do aumento do desemprego, espera-se que o seu partido AIADMK vença mais uma vez.

Em Kerala, desde 1970 que o poder muda de mãos entre duas coligações. É provável que isso se repita, com a Frente Democrática de Esquerda (comunista) a tomar as rédeas da Frente Democrática Unida, liderada pelo Partido do Congresso. O BJP poderá fazer avanços, mas num estado com uma forte minoria cristã e muçulmana não serão suficientes para lhe dar a vitória.

Agora, Modi vai certamente começar a olhar também para o Uttar Pradesh: no próximo ano, é a vez do estado mais populoso da Índia ir a votos. A roda da política continuará a girar.

 

 

 

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