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Para onde vai a Índia de Narendra Modi?

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A avalancha que leva Modi ao poder suscita inquietações nas minorias religiosas — muçulmanos e cristãos — e entre os liberais seculares que temem a “hinduização” da “maior democracia do mundo” e uma deriva autoritária. Em Março, o historiador Ramachandra Guha, impenitente crítico de Modi, avisou os intelectuais que falavam na ameaça de um fascismo hindu: “É sucumbir a um infeliz e prematuro alarmismo. A democracia sobreviverá.”

2. O BJP esteve no poder entre 1988 e 2004 e não aconteceu nenhuma catástrofe. O primeiro-ministro de então, A. B. Vajpayee, pertencia à ala “moderada” do partido e estava amarrado numa coligação heterogéna. Ao contrário, Modi tem uma maioria absoluta e um perfil controverso. Fez carreira na “milícia” hinduísta Corpo Nacional de Voluntários (RSS), vanguarda do nacionalismo hindu desde os anos 1920. Depois, o nome de Modi está associado aos confrontos inter-religiosos e massacres ocorridos em 2002 quando governava o estado de Gujarat. Foi ilibado pelo Supremo Tribunal mas os seus críticos replicam: “Falta de provas é uma coisa, inocência é outra.”

O fascismo é um fenómeno europeu e a prioridade do RSS não é conquistar o poder, sublinha o indianista Christophe Jaffrelot. Quer modelar a sociedade segundo os valores e símbolos hindus, identificar Índia e hinduísmo: é a ideologia da hinduidade (Hindutva). As outras religiões teriam liberdade no foro privado, na mesquita ou na igreja, mas o espaço público seria exclusivo do hinduísmo e seus símbolos.

O BJP tem no seu programa uma parte destas reivindicações, como o Código Civil Uniforme que retiraria aos muçulmanos a aplicação de um direito próprio — designadamente em matéria de família — com base na sharia (lei islâmica). A Hindutva visa desmantelar o modelo secularista indiano, muito mais próximo do multiculturalismo do que do laicismo. Poderia desembocar, na expressão de Jaffrelot, numa espécie de “democracia étnica”.

Curiosamente, durante a campanha, Modi evitou o tema da Hindutva e nunca usou a palavra. Deixou esse trabalho para o seu “braço direito”, Amit Shah, no estado do Uttar Pradesh. Duplicidade? Interroga-se o jornalista britânico Edward Luce: será Modi “um Dr Jekyll e Mr Hyde indiano”?

3. Há uma questão prévia: por que votaram os indianos maciçamente em Modi? Primeiro, ele deu “um horizonte de esperança” e centrou a campanha na economia e no desenvolvimento. Foi impressionante o contraste entre a sua “energia” e a “atonia” do discurso do Congresso, sublinham os analistas. A Índia conheceu um período de espectacular crescimento económico e uma travagem nos últimos dois anos. As expectativas das jovens classes médias são elevadíssimas. A travagem deu lugar à frustração e à denúncia da corrupção generalizada: o Congresso era o alvo.

Modi seduziu as classes médias urbanas com o seu discurso contra a corrupção e com a sua imagem de “administrador”, mas também pobres que antes votavam no Congresso. Não falou no combate à desigualdade social mas na aceleração da mobilidade social. Recebeu o apoio dos meios de negócios, graças à sua política liberal e de atracção de investimentos no Gujarat. A Bolsa entrou em euforia mal surgiram as sondagens à boca das urnas. Muitos vêem nele um “Thatcher indiano”. Promete uma política externa guiada pelos interesses económicos da Índia. E também a afirmação da potência indiana: citando a política do governo de Vajpayee quer o “equilíbrio entre força e paz”.

No dispositivo de sedução de Modi pesa também a imagem que de si construiu: um homem rico mas nascido numa casta baixa, um homem novo não corrompido pelos corredores do poder de Nova Deli, um homem com autoridade — o apelo à disciplina está a crescer na Índia. Convenceu os eleitores de que era a solução para o crescimento da Índia. Foi o que o Congresso não soube fazer.

Resume o influente jornalista Swapan Dasgupta, que colaborou na campanha de Modi: “O contexto de hoje na Índia é o sentimento de declínio da economia, de deriva, de frustração pessoal. Modi escolheu directamente a economia e não falou de coisas abstractas como a ideia de India.”

4. Para onde vai a Índia? Anota Ramachandra Guha: “Modi falou de uma governação firme e eficaz. O RSS tem uma ideia, que é a da Hindutva. O verdadeiro teste só virá depois de ser eleito. A questão é que isto é a Índia não é um Paquistão hindu.” Corrobora o analista Ganesh Devi: “A diversidade indiana funciona como uma válvula de segurança contra todas as formas de ideologias de exclusão. Modi vai talvez tentar promover políticas de clivagem, mas a Índia não o deixará fazer.”

R. K. Swahney, membro de um círculo de reflexão próximo do BJP, declarou ao correspondente do Monde: “Se você não trabalhar com todas as comunidades, arrisca-se a ameaçar a paz e, portanto, a prosperidade económica do país. Ora, nada afastará Modi da prosperidade económica. Ele quer ser o Deng Xiaoping da Índia.”

Jaffrelot tem uma ideia mais complexa. Modi estará sob pressão da “ala dura” dos nacionalistas hindus, a quem deverá fazer concessões simbólicas. A magnitude da sua vitória é uma face de dois gumes. Pode convencer os radicais de que é a oportunidade para concretizar a sua agenda. Por outro lado, deu a Modi uma enorme legitimidade pessoal. E ele mostrou, no Gujarat, que se sabe distanciar do Sangh Parivar (a cúpula do nacionalismo hindu). Vê um risco: “Entrar a Índia numa nova era combinando nacionalismo religioso, osmose entre círculos políticos e meios económicos, personalização do poder.”

A Índia tem uma democracia que é um modelo de estabilidade institucional apto a “gerir o caos”. Tem um eficaz sistema de checks and balances de inspiração anglo-saxónica. O romancista Chandrahas Choudhury considera que Modi abre um imenso desafio mas propõe um olhar histórico. “Em Agosto, a democracia indiana celebrará os seus 67 anos. (...) Olhando para há 20 anos atrás, a democracia indiana parece hoje mais resistente ao vírus das provocações religiosas e da maioria [hindu]. Olhando para trás, para o ponto de origem, a democracia indiana parece hoje muito mais... muitíssimo mais real.”

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