"Geringonça" aguentou seis meses. E agora?
O não disfarçar as divergências pode ser o segredo para prolongar o prazo de validade da “coligação”
Há precisamente seis meses, pouco antes da votação da moção de rejeição do programa de Passos Coelho e Paulo Portas, o PS preparava-se para assinar com o PCP, o BE e o PEV os acordos que permitiram aos socialistas, mesmo não ganhando as eleições, formar governo. Na altura, muitos, até os próprios, questionavam a longevidade da solução governativa, já que, além da vontade de derrubar a direita e de reverter a austeridade, pouco ou nada os unia. O à-vontade era tão pouco que até a cerimónia e a preparação do protocolo para a assinatura dos acordos se transformou numa grande dor de cabeça. O PCP chegou a pedir, numa linguagem de comité central, que fosse organizada uma “cerimónia sequencial com momentos individualizados”, uma linguagem que a máquina do PS teve grandes dificuldades em descodificar.
Foi nessa altura, na discussão das moções de rejeição, que Paulo Portas aproveitou o debate para, recorrendo a uma frase do colunista do PÚBLICO Vasco Pulido Valente, classificar de “geringonça” a solução governativa que começava a construir-se. Seis meses volvidos, talvez o melhor resumo da “geringonça” tenha sido feito pelo próprio António Costa, no último debate quinzenal: “Sim, sim, é geringonça, mas funciona”. E os aplausos das bancadas da esquerda, que há seis meses eram tímidos e envergonhados, saíram de uma forma natural, certificando que a “geringonça” está a funcionar.
Ao longo destes meses, muitos vaticinaram que a “geringonça” iria desmontar-se quando fosse enviado para Bruxelas o esboço do Orçamento do Estado para 2016. Tremeu, chocalhou, mas não caiu. O mesmo aconteceu quando veio o Orçamento propriamente dito, o confronto com Bruxelas, o Plano Nacional de Reformas e o Programa de Estabilidade (PE).
Para a sobrevivência da “geringonça” tem contribuído não só algum desnorte do PSD, que tem deixado o CDS-PP assumir sozinho o protagonismo da oposição, mas também o facto de os partidos envolvidos nos acordos nunca terem tentado sequer esconder aquilo que os separa. E as divergências, que são muitas, e a possibilidade de as poderem expressar (facilitada pelo facto de o BE e o PCP não estarem no Governo) dão uma grande flexibilidade a esta coligação informal. Sendo esta a maior força, também é a sua maior fragilidade, pois nem PCP (que viu Jerónimo de Sousa ausentar-se da sala quando foi votado o PE), nem Bloco (como se viu esta semana pela moção de Catarina Martins à convenção do partido) vão dar respaldo a António Costa, se o primeiro-ministro tiver necessidade de adoptar alguma política de austeridade para cumprir os exigentes compromissos que o próprio assumiu com Bruxelas. Os sete grupos de trabalho sectoriais com o BE (e com comunistas nos bastidores) têm ajudado a conciliar posições e a evitar solavancos, mas já se percebeu que é pela economia que a "geringonça" pode descarrilar. Até agora, os números não têm sido fantásticos, mas não comprometem.