Cartas à Directora
Houve qualquer coisa no ar!
Disse Manuel Alegre, no seu discurso de agradecimento do prémio vida literária, no dia 25 de abril passado, que sentia neste momento histórico "qualquer coisa no ar", lembrando o modo e a forma como foram realizadas este ano as comemorações do 25 de abril. Por outro lado João Miguel Tavares (JMT) na sua crónica no Público, no dia seguinte, parodiou as ditas comemorações com um azedume que me espantou. Duas visões antagónicas dos tempos que se vivem e demonstrativas de duas formas de viver o 25 de abril.
Se para a direita esta data histórica é vivida apenas com racionalidade, principalmente por aqueles que não eram ainda nascidos na altura, cronologicamente ou politicamente, como o JMT, para a esquerda a mesma data, mais do que intelectualizada, é profundamente sentida principalmente por quem teve a sorte de a viver. Não me espantam estas duas formas de encarar esse dia libertador, mas noto algum amargo de boca naqueles que ficam com pele de galinha ao ouvir pela enésima vez a Grândola Vila Morena. Eu também fico nesse estado perturbado mas por razões contrárias, ou seja, pela emoção de quem revive esses tempos quando a ouve. Ao JMT ficava-lhe bem melhor não falar no assunto ou sequer ter essa necessidade e, civilizadamente, comemorar o dia à sua maneira sem ridicularizar subtilmente quem a sente de outra forma. O 25 de abril é de todos, sem dúvida, e ninguém deve censurar a direita por não por o cravo ao peito e se fechar em casa. Não é por isso que deixam de ser democratas. Agora mal estaríamos nós se não sentíssemos como o Manuel Alegre "qualquer coisa no ar" depois de ver nas ruas e nas televisões - no teor dos discursos, no conteúdo simbólico dos gestos do Presidente da República, no clima geral de desanuviamento - a forma como este ano este dia foi comemorado, após tantos anos cinzentos e frios.
José Carlos Palha, Gaia
Completamente “Perdidos na Tradução”
Em jeito de complemento ao texto de Nuno Pacheco no PÚBLICO de 29 de Abril passado, gostaria de falar no caso que ocorreu comigo, quando contactei a Carristur (empresa do grupo Carris encarregue da vertente turística) a propósito do porquê de os seus circuitos turísticos, nomeadamente eléctricos e autocarros, terem designações exclusivamente em língua inglesa (Hills Tram Tour, Yellow Bus e por aí fora), sendo Lisboa a capital de um país onde a língua oficial (ainda) é o português.
Foi-me respondido que "(...) como operador turístico, a maior parte dos nossos clientes são estrangeiros, de múltiplas nacionalidades. Justificamos assim a opção de termos alguns nomes de circuitos em Inglês, com vista a facilitar a informação aos turistas que nos procuram, tentando proporcionar-lhes a melhor experiência possível quando visitam o nosso País. (...)" No mínimo, risível...
Teremos assim tanta vergonha da nossa própria língua que já só consigamos dizer "can I help you?"? Aprendamos algo com os nossos orgulhosos vizinhos espanhóis, que têm um país cheio de turistas sem ceder envergonhadamente à tentação servil de esquecer quem são em troca de umas moedas.
E, por falar em moedas, se o Nuno Pacheco for até à saída do metropolitano da estação Baixa-Chiado, na Rua da Vitória, dará de caras com uma máquina multibanco com as iniciais ATM (poucos por cá saberão o que significa).
Nem George Orwell teria escrito um guião assim!
Luís Nascimento Silva, Lisboa