Governo vai alterar lei dos reguladores mas descarta baixar salários
Apesar da polémica em redor dos vencimentos pagos aos administradores, o Ministério das Finanças diz preferir focar-se em medidas “mais relevantes”, como a redução dos cargos de direcção ou a transparência.
O Governo vai fazer alterações à lei-quadro das entidades reguladoras, criada pelo primeiro executivo de Passos Coelho, mas descarta reduzir os salários pagos aos administradores. Os vencimentos destes gestores públicos têm sido alvo de uma intensa polémica e o próprio PS já garantiu que vai propor mudanças a este nível, mas o Ministério das Finanças garante que a prioridade são outras medidas, que considera “mais relevantes”, como a eliminação dos cargos de direcção ou o aumento da transparência, nomeadamente para eliminar potenciais conflitos de interesses.
Questionado pelo PÚBLICO sobre se a revisão da lei vai incidir sobre a forma como os salários dos supervisores são fixados e sobre se existe abertura para integrar propostas que vão no sentido de reduzir os vencimentos pagos a estes gestores públicos, o ministério de Mário Centeno respondeu que “a redução das remunerações dos membros dos órgãos de administração dos reguladores não se encontra incluída nas medidas previstas no Programa do Governo”. Confirmando a intenção de fazer alterações à legislação em vigor desde 2013, a tutela referiu ainda que o programa “contém diversas medidas aplicáveis a dirigentes e a membros dos órgãos de administração dos reguladores, que se consideram mais relevantes para o reforço da eficácia da regulação”.
De entre essas medidas estão, por exemplo, “a redução de cargos de direcção, quando estes prejudiquem a acção regulatória pela dispersão de competências que devam estar concentradas em dirigentes únicos” ou a “selecção de dirigentes através de mecanismos concursais e outros que assegurem a transparência das nomeações”. As Finanças explicaram ainda que pretendem avançar com a “limitação do recrutamento dos reguladores a partir de empresas reguladas” e com a “proibição da manutenção de vínculos laborais suspensos com empresas reguladas durante o exercício de cargos nos reguladores”.
As alterações não ficarão por aqui, já que a tutela quer ainda estabelecer “restrições à detenção de participações sociais ou negociação de instrumentos financeiros relacionados com o sector regulado” e obrigar estes gestores ao “preenchimento de declarações periódicas relativas a potenciais conflitos de interesses”. Para o ministério, todas estas medidas “têm como finalidade o reforço da capacidade de actuação das entidades reguladoras”, o que exigirá “a realização de alterações à lei-quadro”, embora não exista ainda “qualquer calendarização” para que essas mudanças se efectivem.
No Programa do Governo, eram elencadas outras medidas, que a tutela de Mário Centeno não referiu agora. Nomeadamente, a necessidade de “dotar as entidades reguladoras de uma maior capacidade de fiscalização e de intervenção”, a garantia de “afectação dos meios necessários a uma regulação efectiva, através de ganhos de eficiência e sinergias” ou ainda a intenção de “atribuir à Assembleia da República um papel relevante na quantificação de objectivos e na avaliação dos resultados obtidos” pelos supervisores.
A eterna polémica dos salários
A actual lei-quadro dos reguladores, que foi criada durante o programa de ajustamento na sequência de uma imposição da troika para dar mais autonomia e poder a estas entidades, veio impor novas regras para a nomeação e composição dos órgãos de administração, alterou o modelo de financiamento e estabeleceu limitações na mobilidade entre supervisores e supervisionados. Mas foram precisos muitos meses até que fosse aprovada, no Verão de 2013, e só no ano passado a legislação foi vertida nos estatutos de cada um dos nove reguladores abrangidos.
Um dos temas mais polémicos foi, desde sempre, o dos salários. Aliás, a primeira versão da lei preparada pelo primeiro Governo de Passos Coelho previa mesmo que passasse a haver limites aos vencimentos, fixando como tecto máximo o valor auferido mensalmente pelo primeiro-ministro (cerca de 6800 euros brutos). Mas a intenção gerou mal-estar, não só no seio dos supervisores, como dentro do próprio executivo. A redacção final haveria de conter apenas um conjunto de variáveis para ter em conta na definição das remunerações: o salário do primeiro-ministro é uma delas, mas meramente a título indicativo.
Sem uma baliza claramente definida, a fixação dos vencimentos foi deixada nas mãos de comissões que funcionam junto de cada um dos reguladores e que, além da remuneração do primeiro-ministro, têm de ter em conta na sua decisão outras variáveis, como a conjuntura económica do país e a necessidade de ajustamento salarial. Mas as únicas duas comissões que já se pronunciaram, a da Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC) e a da Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT), fixaram salários que ultrapassam os 16 mil euros para os presidentes. A decisão causou polémica, sobretudo no caso do regulador da aviação civil, uma vez que a entidade que está na sua origem, o Instituto Nacional da Aviação Civil, pagava ao presidente pouco mais de seis mil euros. No caso da AMT, não há termo de comparação, visto que este supervisor foi criado de raiz.
Derradeira audição no Parlamento
Na sequência da controvérsia em redor das remunerações destes gestores, uma série de responsáveis foram chamados ao Parlamento para dar explicações sobre o tema, do ex-ministro da Economia ao presidente da comissão de recrutamento do Estado. Para esta quarta-feira está agendada a última audição, precisamente ao responsável máximo da ANAC, Luís Ribeiro, que será ouvido pelas 10h.
Apesar da posição do Ministério das Finanças, o PS mantém a promessa, que já tinha anunciado, de avançar com uma proposta no sentido de alterar a actual fórmula de fixação dos vencimentos nas entidades reguladoras. Confrontado pelo PÚBLICO sobre a resposta da tutela de Mário Centeno, o deputado socialista Luís Moreira Testa disse “compreender a posição das Finanças e a tónica colocada no sentido de aumentar a eficácia” dos supervisores. Mas assegurou que a lei “terá de ser objecto de uma alteração” no que diz respeito aos salários.
A intenção do PS é que “a letra da lei transpareça o espírito do legislador” porque “é inadmissível que o vencimento do primeiro-ministro não seja tomado como limite, nem como mediana, mas antes como tapete” pelas comissões de vencimentos, referiu Luís Moreira Testa. O deputado interroga-se mesmo se “haverá necessidade de existirem estas comissões”, se a legislação for “suficientemente clara e transparente”. Mas qualquer proposta concreta dos socialistas só será preparada agora, uma vez terminada a ronda de audições. Ainda assim, a garantia é de que vai ser apresentada “muito rapidamente”.
A vontade de alterar a forma como os salários são definidos não é uma vontade exclusiva do PS. O Bloco de Esquerda até já anunciou publicamente um projecto de lei, embora este ainda não tenha sido entregue no Parlamento. As mudanças sugeridas pelos bloquistas passam por limitar os vencimentos dos gestores das entidades reguladoras aos auferidos pelos ministros que as tutelam. Entre outras alterações, o partido também propõe que as comissões de vencimentos desapareçam.